Novos fatos comprovam importância (inclusive econômica) de preservar enorme variedade de espécies do Brasil. Mas quando isso se converterá em políticas públicas?
Por Washington Novaes, em Envolverde
Tem sido muito farto, nas últimas semanas, o noticiário sobre vários temas que se inter-relacionam – perdas em várias áreas com mudanças climáticas, inclusive na biodiversidade; valor dessa biodiversidade na alimentação humana, na saúde e em outros setores; perdas de safras brasileiras por causa de “pragas” novas e antigas. Parece estar começando uma discussão que pode ser muito importante e proveitosa para todas as áreas, especialmente neste momento em que várias instituições mostram também que o uso e o consumo de produtos alimentícios e matérias-primas estão afetando toda a Terra, já que em oito meses de um ano consumimos o que ela pode prover em todo o ano – além de reduzirmos a capacidade de retenção de dióxido de carbono, que passa a acumular-se na atmosfera e a acentuar mudanças do clima.
Mais de uma vez, ao longo de 2013, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ressaltou em seus pronunciamentos o valor das florestas, que abrigam mais de metade das espécies terrestres de animais, principalmente insetos, e plantas. Pesquisa do Nature Climate Change mostrou (Instituto Carbono Brasil, 13/5/2013) que o clima pode levar à extinção de 57% das plantas; 34% dos animais conhecidos sofrerão com perdas de seus hábitats – só 4% se beneficiariam com temperaturas mais altas. A Amazônia será uma das áreas mais atingidas.
Os problemas no Brasil são muitos, segundo o Livro Vermelho da Flora Brasileira, editado pelo Centro Nacional de Conservação da Flora, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro; 2.118 de 4.617 espécies estudadas estão ameaçadas pela perda e degradação de hábitats, pela expansão de monoculturas extensivas e pelas queimadas, principalmente no Cerrado (já afetado em 50% de sua área por incêndios e desmatamentos; e que já perdeu grande parte de seu estoque de água no subsolo, que alimenta todas as grandes bacias nacionais).
Entre as espécies ameaçadas estão numerosas com alto valor medicinal, inclusive no Brasil – como o barbatimão, com propriedade cicatrizantes; a arnica, eficaz no tratamento de traumatismos e contusões; a pata-de-vaca, com propriedades diuréticas e eficaz em casos de diabetes e obesidade; a gabiroba (ou gueroba), útil em diarreias e afecções no sistema urinário; o araticum (marolo), para cólicas menstruais; a catuaba, afrodisíaca, ansiolítica, antibacteriana, expectorante.
Outra área de muita discussão tem sido a da possibilidade de uma dieta de insetos reduzir os problemas que o mundo enfrenta com a fome e a miséria. Insetos constituem mais de 50% dos organismos vivos. E 1.900 espécies já são consumidas por humanos, informa a FAO, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (Eco21, maio de 2013). Com dois quilos de alimentos insetos produzem um quilo de carne, enquanto bovinos precisam de oito quilos de alimentos para gerar um quilo de carne para humanos – além de insetos gerarem muito menos metano e outros gases (um boi gera 58 quilos de metano por ano, segundo a Embrapa Meio Ambiente; com mais de 200 milhões de bovinos, só aí o Brasil gera 1,6 milhão de toneladas anuais de metano).
Quatro áreas no Brasil, no Alto Rio Negro e no Javari – duas delas, terras indígenas –, são consideradas excepcionalmente valiosas para a conservação da biodiversidade, diz a revista Science (no geral, as terras indígenas são apontadas pelos cientistas como o melhor caminho para essa preservação). E na Amazônia foram identificadas 15 novas espécies em áreas como essas, no ano passado. Outros cientistas, da Universidade de Aberdeen, afirmam (Mercadoetico, 19/2/2013) que plantas afetadas por problemas são capazes de alertar, por meio de fungos do solo, outras plantas para que estas ativem genes que as protejam. Muitas são capazes de prever a chegada de ventanias e tempestades (Agência Fapesp, novembro de 2013) – e podem ajudar a acionar programas preventivos (que são raros no Brasil).
Também têm estado muito presentes, nos últimos tempos, notícias como as de programas e políticas de valorização da mandioca. Em meio a elas, jornais publicaram a informação de que nossa campeã mundial de natação, Poliana Okimoto, chegou a esse destaque depois de, com o auxílio de uma nutricionista, substituir por mandioca e derivados boa parte de sua dieta alimentar. Fez lembrar o cientista Paulo de Tarso Alvim, para quem, “se a mandioca fosse norte-americana, o mundo todo estaria comendo mandioca flakes e tapioca puffs”. Porque a mandioca é a espécie mais adaptada a solos brasileiros, não precisa nem de fertilizantes, nem de agrotóxicos.
E por aí se chega ao noticiário de que parte das consideráveis perdas que estão ocorrendo na agricultura brasileira de exportação se deve à remoção dos defensivos naturais do solo, após a implantação de monoculturas extensivas e uso intensivo de agrotóxicos – consumo em que o Brasil é o líder no mundo. Desprotegido das suas defesas naturais, o solo torna-se muito vulnerável – essa seria uma das causas de termos no momento tantas “epidemias de pragas”, como a que assola as culturas do algodão, e que podem espalhar-se mais.
Com tantas notícias na área de insetos, é inevitável que volte à memória a sentença do respeitado biólogo Edward Wilson de que as formigas dominarão a Terra: elas já são quatrilhões e se reproduzem em velocidade muitas vezes maior que a do ser humano. Também fazem lembrar um catedrático de estruturas de concreto que apontava para um cupinzeiro no Jardim Botânico de São Paulo e dizia: “Essa é uma construção sustentável; ali vivem dezenas de milhares de cupins, em absoluta ordem, trafegando dentro e fora na busca de alimentos e seu armazenamento em câmaras subterrâneas, dotadas de orifícios para liberação de gases da decomposição” – que eles abrem e fecham conforme a temperatura.
Quem porá a biodiversidade no centro das nossas políticas?
* Washington Novaes é jornalista.
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