segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Farmacêutica obtém novos aromas naturais

Estudo inédito identificou na mamona e na linhaça novas fontes de sabores da classe das lactonas


Texto: SILVIO ANUNCIAÇÃO Fotos: Antonio Scarpinetti Edição de Imagens: Diana Melo
Duas novas fontes de baixo custo para a produção de aromas naturais foram descobertas pela pesquisadora Danielle Branta Lopes durante os estudos para o seu doutoramento junto à Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. A partir do óleo da mamona e da linhaça, a farmacêutica-bioquímica obteve, pela primeira vez, vários aromas naturais da classe das lactonas. As substâncias possuem sabor de pêssego, damasco, ameixa e pera.

“A maioria dos aromas produzidos sinteticamente pode trazer malefícios à saúde. O fato de os produtos industrializados, sobretudo os alimentos, serem naturalmente aromatizados, aumenta o valor agregado. Há uma grande procura por alimentos ‘mais naturais’. Além disso, demonstramos que os óleos da mamona e da linhaça são substratos que podem substituir a extração de aromas a partir dos materiais vegetais – escassos e com alto custo para uso comercial”, sublinha a estudiosa da Unicamp.

Os compostos poderão ser aplicados na área alimentícia, farmacêutica e cosmética, acrescenta Danielle Lopes. Outro destaque da pesquisa, de acordo com ela, foi o emprego de bioprocessos para a obtenção dos aromas como uma alternativa viável aos métodos químicos tradicionais. A farmacêutica-bioquímica formada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) utilizou a fermentação microbiana e a biocatálise enzimática, duas técnicas consideradas de baixo custo e com toxicidade reduzida ou nula.

“A fermentação microbiana é um dos métodos potenciais para a produção de aromas naturais, assim como o processo enzimático. Ambos situam-se no âmbito da biotecnologia, campo que envolve uma série de vantagens. Podemos citar a independência da agricultura, da possível escassez de matéria-prima e a responsabilidade com os recursos naturais. Além disso, há a possibilidade de se aumentar a produção e transformá-la em escala industrial com o auxílio da engenharia, ‘fabricando’ produtos mais homogêneos”, elenca.

Nos dois bioprocessos foram usados microrganismos do grupo dos fungos. Estes microrganismos vêm sendo amplamente empregados para a obtenção de lactonas, uma importante classe de aromas. “As lactonas estão presentes em uma variedade de produtos naturais e compostos biologicamente ativos. O diferencial da nossa pesquisa foi obter estes aromas naturais a partir do óleo de mamona e da linhaça, utilizando bioprocessos e espécies de fungos ainda não aplicadas para este fim. Isso dá um caráter inédito ao estudo”, distingui a pesquisadora.

Ela situa que os aromas, naturais e artificiais, respondem por até 90% do odor e do sabor característicos dos alimentos industrializados. Muitos alimentos processados não apresentariam atrativo sensorial considerável sem a utilização destes aromas, acentua Danielle Lopes.

“Aromas naturais são mais caros em razão de seus métodos de produção, mais lentos e de baixo rendimento quando comparado aos métodos químicos. No entanto, eles vêm sendo preferidos pelas indústrias devido à ‘quimiofobia’ existente entre os consumidores, que buscam produtos mais saudáveis e com aromas naturais. Portanto, explorar novos métodos de produção de baixo custo para aromas naturais é fundamental neste momento”, defende.

O doutorado de Danielle Branta Lopes, defendido em outubro de 2013, foi orientado pela docente Gabriela Alves Macedo, que atua no Departamento de Ciência de Alimentos da FEA. Houve apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), concedido na forma de bolsa à pesquisadora. Há intenção, segundo a autora do trabalho, em submeter um pedido de patente para a descoberta e tornar possível, assim, a comercialização dos aromas obtidos.

Mamona e linhaça

A mamona, um fruto antes desprezado na produção agrícola, vem conquistando cada vez mais posição de destaque no ramo oleoquímico, sobretudo pelo baixo custo de produção. Devido à toxicidade pela presença da proteína ricina, o fruto é impróprio ao consumo humano e animal. Seu aproveitamento restringe-se à produção de óleo. “Optamos pela mamona pela vantagem de ser um produto de baixo custo, ecologicamente correto e pela rica composição em ácido ricinoleico, um importante ácido graxo para a produção de lactonas”, justifica Danielle Lopes.
Já a linhaça, cuja semente é amplamente consumida em diversas partes do mundo como alimento funcional, foi selecionada para o estudo em razão de sua composição particular de ácidos graxos. “Acreditávamos que o seu uso na produção de lactonas seria bastante interessante, em função dos produtos finais que poderiam ser gerados”, lembra a estudiosa.

Os ácidos graxos, encontrados na maioria dos óleos vegetais, possuem substâncias que contribuem para a palatabilidade dos alimentos. Entre os mais importantes e considerados essenciais estão os ácidos linoleico, linolênico e araquidônico. A pesquisadora explica que muitos produtos de alto valor agregado requerem ácidos graxos em sua fabricação, como os compostos aromáticos da classe das lactonas.

Bioprocessos

Os óleos vegetais da mamona e linhaça foram previamente hidrolisados. A hidrólise quebra as moléculas destes óleos, permitindo a liberação do ácido graxo utilizado na produção do aroma. A quebra da molécula dos óleos foi realizada por meio das enzimas produzidas pelos fungos.

“A fermentação microbiana ou biotransformação gerou vários aromas num mesmo meio, composto pelos óleos hidrolisados de mamona e linhaça. Além de mais rápida por não necessitar da etapa de isolamento da enzima para sua posterior utilização, a fermentação microbiana é mais barata do que a biocatálise. Esta, por sua vez, apresenta a vantagem de ter produzido apenas um tipo de aroma dependendo do tempo e da enzima utilizada. Isso pode ser interessante para a indústria porque não há necessidade em isolar todas as lactonas posteriormente. Tivemos êxito nas duas transformações, a utilização deste ou daquele processo dependerá dos objetivos e interesses do setor.”

Lactonas Produzidas

Com o uso da biotransformação, todos os microrganismos explorados foram capazes de fornecer diferentes tipos de lactonas, com destaque para o fungo Fusarium oxysporum, que produziu a maior variedade delas, como a y-decalactona, 2-cumaranona, mevalonolactona e pantolactona. Além disso, por este processo foi possível alcançar o maior rendimento (y-decalactona), após 48 horas de reação e empregando-se os óleos de mamona e linhaça previamente hidrolisados pela lipase produzida pelo fungo Rhizopus sp.

A biocatálise enzimática também apresentou resultados satisfatórios, conforme Danielle Lopes. O método produziu y-undecalactona, y-decalactona e y-dodecalactona, dependendo da lipase empregada e do tempo de reação. A maior produtividade foi obtida com a y-undecalactona ao se utilizar a lipase produzida pelo fungo Rhizopus sp, após 24 horas de reação, também a partir do uso dos óleos de mamona e linhaça hidrolisados.

Publicação

Tese: “Comparação do perfil das lactonas produzidas por biotransformação microbiana e biocatálise enzimática a partir dos óleos de mamona e linhaça”
Autora: Danielle Branta Lopes
Orientadora: Gabriela Alves Macedo
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Financiamento: CNPq

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