Débora Motta
Divulgação/Uenf
Extratos de ervas são testados em laboratório para comprovar eficiência do uso da homeopatia em animais
Terapias naturais à base de plantas medicinais e da homeopatia não são uma alternativa de tratamento exclusiva dos humanos. Uma pesquisa da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) propõe o uso da fitoterapia e da homeopatia em animais, especificamente para combater carrapatos e vermes nematóides (de formato cilíndrico) no gado leiteiro de criação orgânica. Coordenado pela professora Maria Angélica Vieira da Costa Pereira, o estudo “Avaliação da eficácia de tratamentos alternativos no controle de parasitos de bovinos e implantação de uma estação experimental agroecológica na fazenda Arca de Noé no município de Sapucaia – RJ”, foi contemplado pela FAPERJ por meio do edital Apoio à Inovação Tecnológica no Estado do Rio de Janeiro, de 2007.
A homeopatia e a fitoterapia ainda são pouco empregadas em animais, mas sua aplicação cresce na medida em que os medicamentos tradicionais – alopáticos – não alcançam os efeitos desejados. De acordo com a pesquisadora, o tratamento natural supera em muitos casos o tradicional. “As cepas dos carrapatos e dos vermes nematóides estão mais resistentes devido às sucessivas aplicações da alopatia, com superdosagens ou subdosagens equivocadas. Isso acontece porque os produtores rurais tradicionais costumam buscar informações sobre medicamentos diretamente nos balcões das casas de ração, em vez de procurar a orientação técnica de um profissional especializado”, explica Maria Angélica, responsável pelo setor de Parasitologia do Hospital Veterinário da Uenf.
Durante o projeto, a veterinária avalia os efeitos de cinco ervas (arruda, erva-de-santa-maria, melão-de-são-caetano, boldo e capim- limão) no controle de ecto e endoparasitos. No caso da arruda e da erva-de-santa-maria, já foram comprovados resultados no controle de carrapatos do tipo ixodídeos, por meio de testes in vitro. “Escolhi essas ervas a partir de um levantamento em que constatei que elas existem em todo o território nacional, o que justifica a viabilidade de estudar essas plantas. Elas são popularmente conhecidas por suas propriedades antiparasitárias”, explica a professora, que a partir de maio vai dar início aos testes das ervas in vivo, no rebanho de gado leiteiro mestiço de holandês da Estação Experimental Agroecológica Arca de Noé.
Com o apoio da Fundação, a estação foi implantada na propriedade Arca de Noé, do produtor rural Roberto Gomes Leite, em Sapucaia (RJ). Com selo orgânico desde 2000, a fazenda comercializa leite em todo o estado. Ali serão construídos um laboratório de parasitologia, um escritório, um almoxarifado e alojamentos para estudantes, professores e visitantes, além de baias para a melhor observação dos animais durante a pesquisa, já que no sistema orgânico o gado é criado solto no campo (pecuária extensiva). “No laboratório, os carrapatos e os vermes serão submetidos a testes in vitro com banhos à base dos extratos das ervas, que serão manipuladas em laboratórios farmacêuticos terceirizados. Os experimentos seguirão o mesmo protocolo preconizado pela Organização Mundial da Saúde Animal para medicamentos alopáticos, para comparar cientificamente a eficiência da homeopatia”, diz.
Divulgação/Uenf
Gado estudado na Estação Experimental Agroecológica Arca de Noé segue os parâmetros do sistema orgânico
Nos experimentos, a pesquisadora vai dividir os animais em dois grupos. O primeiro vai tomar banho apenas de água e o outro, com os extratos das plantas, em temperatura ambiente. “Depois da aplicação dos extratos, os parasitos serão observados durante 28 dias, período relativo ao ciclo do carrapato. Para combater os vermes, será aplicada solução via oral, diluída na bebida do gado”, adianta a pesquisadora, que lidera dois diretórios de grupos de pesquisa registrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), intitulados Terapias não convencionais na medicina veterinária e bem-estar animal e Zoonoses e políticas sociais.
Uma espécie de "vacina" homeopática ou bioterápico, elaborada de acordo com as necessidades da fazenda, também será utilizada para o controle de parasitas no sistema orgânico. “Vamos aplicar no gado bioterápicos, medicamentos que serão resultado da coleta dos carrapatos que habitam especificamente aquela fazenda e que podem ter cepa diferente dos carrapatos da fazenda vizinha. O controle estratégico deve levar um ano”, completa Maria Angélica, acrescentando que esses parasitos – carrapato da orelha do cavalo (Anocentor nitens), carrapato estrela (Amblyomma cajennense), carrapato do boi (Rhipicephalus Boophilus microplus) e carrapato dos cães (Rhipicephalus sangüineus) — transmitem microorganismos e hemoparasitos, como a Babesia sp e Ehrlichia sp, que por sua vez causam a “tristeza parasitária dos animais domésticos” e respectivas zoonoses no homem, cujos sintomas são anemia, febre e icterícia.
Além de transmitir doenças e de sugar o sangue dos animais, o carrapato prejudica também o comércio exterior do país. “O carrapato tornou-se um problema governamental. O Brasil se encontra em terceiro lugar em exportação de orgânicos no mundo (café,chás, cachaça, sucos, feijão, milho, soja, açucar mascavo, doces e compotas e embutidos e laticínios). O paíspoderia estar em primeiro lugar na venda de couro bovino, mas ficou em 13º no ranking mundial de exportadores do produto, em 2005, atrás da Argentina”, diz Maria Angélica, que coordena uma equipe de 20 bolsistas. “O couro fica ainda mais depreciado porque o carrapato abre as portas para a atuação das moscas, que causam uma doença chamada miíase, caracterizada pela infestação de larvas que lesam o couro”, acrescenta.
Maria Angélica conta que a escolha de gado leiteiro orgânico para a pesquisa foi pautada pela necessidade de oferecer uma alternativa mais saudável à produção nacional de leite, base alimentar principalmente de crianças e idosos. “Existem na literatura casos de leucemia em vacas devido ao uso de carrapaticidas tradicionalmente comercializados, além de registros de intoxição nos trabalhadores que aplicam o produto. Nós bebemos esse leite com resíduos químicos”, diz, lembrando ainda que o país deve atender a rígidos parâmetros de segurança alimentar para atender o mercado interno e para poder exportar leite a mercados exigentes, como os da União Européia. “Esses mercados importam do Brasil, além de carne e leite do gado orgânico, o gado que o Ministério da Agricultura denomina ‘boi verde’, ou seja, aquele tratado com medicamentos tradicionais, mas que antes do abate não recebe nenhuma medicação, para ‘limpar’ o organismo de hormônios, praguicidas ou antibióticos. Esse prazo é conhecido como período de carência ”.
A pesquisadora alerta que os alimentos não orgânicos, sejam de origem animal ou vegetal, contêm substâncias altamente tóxicas, que podem causar ao organismo humano efeitos adversos – ainda incompreendidos. “Encontramos nos alimentos não orgânicos resíduos de várias bases químicas voltadas para o controle de insetos e de parasitos, além de antibióticos e hormônios”, diz. Ela lembra que a proposta da pesquisa está condicionada à administração de tecnologia limpa, de baixo impacto ambiental no sistema orgânico de produção, e à preocupação com o lado social, com o desenvolvimento sustentável e com a segurança alimentar do produto final que chegará na mesa do consumidor.
08/04/2009
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