domingo, 27 de outubro de 2013

Por um vinho mais frutado

Jornal da UNICAMP
Campinas, 07 de outubro de 2013 a 13 de outubro de 2013 – ANO 2013 – Nº 578
Técnicas de manejo de uvas acentuam buquê e diminuem compostos que depreciam a bebida


Texto: ISABEL GARDENAL    Fotos: Antonio Scarpinetti    Edição de Imagens: Diana Melo
Em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), a bióloga Daniele Rodrigues contribuiu com três técnicas de manejo de uvas – a de pulverização de nitrogênio, a de cobertura do vinhedo e a de dupla poda (ou inversão da colheita) – testadas em vinhedos do Estado de São Paulo e da França. As técnicas não só diminuíram a concentração de compostos off-flavours, que depreciam o vinho, ao conferir um sabor herbáceo de “pimentão verde”, como aumentaram a concentração de compostos aromáticos, bastante desejados para formar o buquê do vinho, ou seja, o aroma exalado da bebida. 

O estudo, feito entre 2009 e 2013 com financiamento da Capes, visou melhorar a qualidade das uvas porque, segundo a professora da FEA Helena Teixeira Godoy, orientadora da tese, não é possível produzir bons vinhos a partir de matérias-primas de baixa qualidade.

Daniele procurou trazer novas opções aos produtores de uvas viníferas. Isso porque, informa ela, o Estado não tem uma participação expressiva na produção de vinhos finos, de modo que obter uvas de melhor qualidade colaboraria inclusive para a competição no mercado internacional. A tática foi essa. “O vinho nacional tem tudo para se tornar de excelente estirpe, com características diferentes de um vinho argentino, chileno, espanhol e italiano, mas com a cara brasileira”, expõe.

As técnicas da cobertura do vinhedo e dupla poda foram aplicadas no Brasil para a redução dos compostos off-flavours e a técnica de pulverização de nitrogênio no solo, aprendida na França, para aumentar os compostos de aroma desejados, os frutados. A constatação foi que técnica da pulverização já está apta a ser repassada aos viticultores brasileiros.

A pesquisadora, que desenvolveu doutorado-sanduíche pelo período de um ano no Instituto de Ciências da Uva e do Vinho, órgão ligado à Université Bordeaux-França, conta inclusive que se trata de um procedimento que pode ser realizado facilmente pelos produtores de uva. 

As técnicas mais usadas hoje são ainda muito dispendiosas, ao contrário da pulverização, realça a orientadora, que não deverá encarecer a produção da uva no Brasil, embora haja poucos estudos de viabilidade a esse respeito. Além do mais, pelo que se percebe, a influência do nitrogênio ainda é pouco estudada.

A bióloga mostrou em seu trabalho que a adição de nitrogênio pode ter um efeito benéfico na produção do vinho final e que essa técnica pode ser combinada a outras de pulverização. O sal nitrogenado não é tóxico e, com ele, simplesmente se faz uma correção de sua quantidade no solo. Assim, é absorvido pela planta e passa para a uva. 

Quando a fruta estiver na etapa de fermentação, o nitrogênio absorvido do solo servirá como fonte de nutriente aos microrganismos responsáveis pelo processo fermentativo. O resultado é que a biomassa (quantidade de microrganismos) se multiplica e exerce uma maior atividade metabólica, produzindo compostos como os alcoóis e ésteres (substâncias responsáveis pelo aroma), fornecendo um vinho com aroma mais frutado.

Um detalhe: falta estudar a quantidade de nitrogênio necessário para evitar malefícios à videira e atingir os patamares almejados. Conforme a professora Helena, existem outras formas de tornar o vinho melhor. Ela enumera as técnicas de fermentação, o emprego de microrganismos mais apropriados às uvas nacionais e o treinamento de pessoal para a fabricação do vinho. 

Em sua opinião, as pessoas ainda resistem muito à adoção de novas técnicas. Com isso, prevalece a produção de vinho artesanal, com informações de pai para filho. Já, em países desenvolvidos, os investidores tendem a buscar novos conhecimentos e trazê-los para as técnicas de produção. 

No Brasil, a pesquisadora trabalhou apenas com o vinho Cabernet Sauvignon, uma varietal de uva que origina um vinho mais seco e, na França, com o Cabernet Sauvignon, com o Merlot e com o Cabernet Franc, todas variedades Vitis viniferas para a produção de vinhos finos.

O vinho Cabernet Sauvignon, em particular, lida muito com a presença de compostos off-flavours. “Nossa atitude consistiu em reduzir a concentração desses compostos”, expõe a autora do estudo. A investigação ajudou a combater o aroma herbáceo produzido por substâncias conhecidas como metoxipirazinas.

O que acontece com os vinhos brasileiros é que a colheita de uva é feita em uma época de alta intensidade pluviométrica, obrigando os viticultores a colherem antes do tempo. Não havendo maturação completa, elas não alcançam um nível ideal de acidez e de açúcar. Logo, as metoxipirazinas acabam se sobressaindo e sendo repassadas ao vinho, pois não desaparecem na fermentação. 
Para diminuir a concentração desses compostos na uva e no vinho, Daniele então recorreu à técnica de cobertura do vinhedo com plástico transparente, que demonstrou ter uma baixa complexidade, além de não demandar um alto investimento. O trabalho foi desenvolvido na cidade de Campos do Jordão.

Cobrindo o vinhedo, explica a pesquisadora, cria-se um microclima embaixo da cobertura, formando um efeito estufa – que eleva a temperatura e propicia que a uva atinja sua maturação mais rapidamente. Desse modo, a colheita já não ocorrerá na época das chuvas e estará pronta um pouco mais cedo.

Uma terceira técnica, a dupla poda, foi praticada em São Bento do Sapucaí, com o fim de retardar o amadurecimento da uva. Em vez de ficar pronta no verão, que geralmente é a época da colheita em todo o Brasil, a uva é colhida no inverno, num período de seca. Com o tempo mais seco, anula a interferência da chuva durante a colheita da uva. A água absorvida certamente passará para o vinho, tornando-o mais aguado e sem embocadura (não vai ficar encorpado). Um outro problema ocasionado pelas muitas chuvas de verão é que a uva normalmente absorve água e pode favorecer o crescimento de fungos, por ficar muito úmida. 

Outros resultados 

A doutoranda revela que na França a pulverização de nitrogênio acelerou a fermentação. Os vinhos ficaram prontos em menor tempo e isso significa que ele serviu como nutriente e aumentou a concentração dos microrganismos ali presentes durante a vinificação. Também os vinhos oriundos das videiras, que receberam as maiores concentrações de nitrogênio no solo, apresentaram aromas frutados mais pronunciados.

No Brasil, a bióloga percebeu que as técnicas foram eficientes para reduzir os compostos off-flavours, porém a dupla poda – a técnica em que se inverteu a colheita do verão para o inverno – foi mais eficiente ainda, visto que, como no inverno há uma temperatura mais baixa, a uva demorou mais tempo para atingir sua maturação completa. 

Até que a uva atingisse os níveis ideais de açúcar e acidez, as metoxipirazinas foram usufruindo desse tempo para sofrerem degradação. Quando a uva completou sua maturação, os níveis de off-flavours eram mínimos e isso acabou não interferindo no buquê aromático do vinho final. “Tanto a técnica de cobertura do vinhedo quanto a de dupla poda se mostraram promissoras na redução dos off-flavours. Mas, para o produtor, a técnica mais exequível seria a da inversão ada poda”, salienta Daniele.

Posição

Entre as bebidas de projeção internacional produzidas internamente, o Brasil hoje já se situa entre os melhores espumantes do mundo, tendo esse reconhecimento internacional. A partir de 2004, saltou de uma produção anual de 6 milhões de litros para 15 milhões. 
Em termos de vinhos, sobretudo os tintos finos (não os de mesa), são produzidos com uvas viníferas, com as quais o Brasil não tem uma larga tradição. Apesar disso, o Estado do Rio Grande do Sul, pelas próprias características de vinhedos antigos que produz, está melhorando seus vinhos. Santa Catarina está investindo em vinhos tintos e de uvas viníferas brancas. Além do mais, no Nordeste, a área cultivada está se expandindo, o que também traz a necessidade de uma carga de matéria-prima à altura da produção de vinhos. Isso tem motivado o interesse de investidores na região.

Uma falha no processo, explana a orientadora, é que o Brasil ainda não dispõe de um banco de dados confiável do quanto produz, do quanto está plantando de uvas viníferas e não viníferas, mas principalmente da produção de vinhos finos. 

Por outro lado, faltam políticas públicas de incentivo e de capacitação na área e, mesmo se propagando que o consumo moderado do vinho pode ser bom à saúde, ainda discute-se se os benefícios dos compostos justificariam o risco do consumo do álcool na bebida. Ainda não se estabeleceu um ideal de teor alcoólico: se um cálice de vinho por dia ou dois; ou se isso é meramente um mito. Fato é que, em regiões como a França, Itália, Espanha e Portugal, vinhos são mais consumidos do que sucos e refrigerantes. E, nesses locais, verifica-se um baixo índice de doenças cardiovasculares, aumento da expectativa de vida e menos problemas de saúde.

Mercado

Em 2012, o Brasil exportou 5,77 milhões de litros de vinhos, enquanto importou 74,20 milhões de litros. Assim, o país apresentou um défice de quase 70 milhões de litros de vinho, o que representa um total de 276, 21 milhões de dólares. Foram consumidos 95,82 milhões de litros de vinhos finos, sendo que 77,45% dos vinhos comercializados no Brasil são importados.

O vinho fino nacional, mesmo melhorando sua qualidade, conquistando reconhecimento no exterior e ganhando espaço na mídia, ainda não atingiu uma boa colocação no mercado mundial graças à alta qualidade dos importados. Para Daniele, a melhoria da qualidade dos vinhos de V. viniferas no país e a sua manutenção em safras sequenciais não apenas alavancarão novos mercados, mas também apurarão a presença dos vinhos finos no mercado interno, atraindo inclusive a confiabilidade dos consumidores.

Publicação

Tese: “Influência de diferentes práticas viticulturais sobre a fermentação alcoólica e a formação de compostos de aroma em cultivares Vitis viniferas
Autora: Daniele Rodrigues
Orientadora: Helena Teixeira Godoy
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Financiamento: Capes

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