terça-feira, 29 de outubro de 2013

Gorduras: evidências e recomendações, artigo de Fabio Cardoso de Carvalho

[EcoDebate] Gordura é um macronutriente envolvido no fornecimento de energia para o organismo, absorção de vitaminas lipossolúveis e carotenoides, além de outras funções biológicas. A maior parte dos lipídios dietéticos (98%) está disponível como triacilglicerol – componente formado por uma molécula de glicerol esterificado com três moléculas de ácidos graxos. O restante é encontrado na forma de fosfolipídeos e esteróis circulantes (1).

A ingestão adequada de gorduras possui papel fundamental na manutenção de um estilo de vida saudável. Os lipídios passam a representar risco a partir do momento em que são ingeridos em excesso.

De acordo com o Institute of Medicine (IOM), devido à falta de evidências para determinar o nível de ingestão de gordura total (GT) em que ocorre o risco de inadequação ou prevenção de doenças crônicas, não foram estabelecidos valores para Recommended Dietary Allowance (RDA) e Adequate Intake (AI) (1). Entretanto, foi estimada uma faixa de distribuição aceitável para gordura total (Macronutrient Distribution Range), que varia entre 15% e 30% do valor energético total (VET) (2).

Quando o consumo de gorduras excede o limite máximo de 30%, ocorre o aumento no risco cardiovascular, pela elevação dos níveis de LDL-c plasmático, triglicérides e da própria glicemia, que são os principais responsáveis pela formação da placa de ateroma.

A classificação das gorduras é decorrente de sua composição de ácidos graxos. A molécula de ácido graxo é formada por uma cadeia hidrofóbica de hidrocarbonetos com um grupo carboxila (-COOH) terminal. Seu agrupamento é definido pelo comprimento da cadeia de carbono, pelo grau de insaturação (quantidade de duplas ligações da cadeia) e pela configuração das duplas ligações (1).

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecem a conveniência em agrupar os ácidos graxos de acordo com sua estrutura química (saturados, monoinsaturados, poli-insaturados e trans), mas ressaltam o crescente número de evidências que demonstra que diferentes ácidos graxos dentro de uma mesma classificação podem apresentar propriedades biológicas distintas (3).

Assim, os ácidos graxos saturados (SFA) podem ser divididos em dois grupos: cadeia média (entre 8 e 12 átomos de carbono na cadeia) e cadeia longa (acima de 14 átomos de carbono). Porém, individualmente, os SFA exercem efeitos distintos sobre as frações plasmáticas de colesterol. Os ácidos láurico (C:12), mistírico (C:14) e palmítico (C:16), por exemplo, aumentam os níveis de LDL-c, especialmente o C:14. Por outro lado, o ácido esteárico (C18:0) possui efeito neutro sobre a mesma fração. Estudos sugerem, ainda, que uma dieta rica em ácido graxo esteárico pode melhorar o perfil dos fatores de risco trombogênicos e aterogênicos. A recomendação da FAO/OMS é que a ingestão diária de SFA não ultrapasse 10% do VET (1,3,4).

Durante as últimas décadas, as recomendações médicas e nutricionais promoveram a mensagem de diminuição do consumo de ácidos graxos saturados. Discussões atuais questionam essas orientações, pois com a redução da ingestão de gordura saturada houve aumento do consumo de alimentos ricos em carboidratos refinados. Evidências recentes mostram que a substituição de gordura saturada por carboidratos simples pode ter grande impacto no aumento do risco de doença cardiovascular e diabetes (4,5,6).

Os ácidos graxos insaturados são classificados em razão do número de duplas ligações em monoinsaturados (MUFA) ou poli-insaturados (PUFA), sendo que a primeira dupla ligação da cadeia carbônica a partir do grupo metila identifica a série do ácido graxo, por meio da letra ? (? -3, ?-6, ?-9) (4). Pela presença de ligações duplas, os ácidos insaturados são suscetíveis a modificação oxidativa. Estudos demonstram que dietas contendo MUFA em substituição ao PUFA tornam a LDL menos suscetível à oxidação o que pode resultar, em teoria, em inibição do processo aterogênico (4).

A faixa de distribuição aceitável para ingestão total de PUFAs (? -3 e ?-6) pode variar entre 6% e 11% do VET. Os níveis mínimos de ingestão de ácidos graxos essenciais, visando a prevenção de deficiências, são estimados com grau convincente em 2,5% do VET para ácido linoleico e 0,5% do VET para ácido alfa-linonênico (3).

A determinação da porcentagem de ingestão de MUFAs é calculada por diferença, utilizando a fórmula: MUFA = GT – SFA – PUFA – TFA. Os valores são expressos em porcentagem do VET e TFA é a sigla para ácidos graxos trans (3).

Os TFA são isômeros geométricos dos ácidos graxos insaturados, produzidos naturalmente a partir da fermentação de bactérias em ruminantes ou por meio da hidrogenação parcial de óleos vegetais. Tal processo se aplica aos óleos vegetais líquidos à temperatura ambiente, com o objetivo de conferir consistência mais sólida e aplicabilidade na industrial, principalmente para produção de biscoitos, frituras, sorvetes e produtos de panificação.

Em razão dos efeitos nocivos de TFA sobre a saúde, ocorreram diversos movimentos de sociedades responsáveis pela elaboração de diretrizes nutricionais e de agências reguladoras de saúde para recomendar a redução da ingestão desses ácidos graxos pela população mundial (4).

Os TFA relacionam-se fortemente com o aumento do risco cardiovascular, especialmente por aumentarem as concentrações plasmáticas de colesterol e de LDL-c e por reduzirem as concentrações de HDL-c. Além disso, os TFA influenciam a concentração plasmática de triglicérides, conferindo um perfil pró-aterogênico.

As recomendações atuais para TFA sugerem ingestão inferior a 1% do VET pela população (3).

Nesse cenário, a gordura de palma surge como alternativa para as indústrias de alimentos, tanto por atender questões de aplicabilidade técnica como pelo perfil nutricional. A gordura de palma é livre de TFA (já que não sofre processo de hidrogenação), possui 50% de conteúdo de ácidos graxos insaturados, apresenta ausência de ácido láurico na porção saturada e contribui com conteúdo significativo de vitamina E na forma de tocotrienóis (7).

As diretrizes de saúde são unânimes ao enfatizar que, além de se sugerir recomendações diárias sobre ingestão de gorduras e ácidos graxos, o estabelecimento de guias alimentares é essencial para a promoção da saúde e prevenção de doenças crônicas entre as populações. Assim, a ingestão adequada de energia, o balanço total de nutrientes e a prática regular de atividade física são fatores críticos que devem ser constantemente promovidos.

Referências

[1] Institute of Medicine. Food and Nutrition Board. Dietary Reference Intakes for Energy, Carbohydrate, Fiber, Fat, Fatty Acids, Cholesterol, Protein, and Amino Acids. Washington. The National Academies Press, 2005. 
[2] Philippi ST. Pirâmide dos Alimentos: fundamentos básicos da nutrição. São Paulo. Manole, 2008. 
[3] World Health Organization. Joint FAO/WHO Expert Consultation on Fats and Fatty Acids in Human Nutrition. Geneva, 2008. 
[4] Santos RD, Gagliardi ACM, Xavier HT, Magnoni CD, Cassani R, Lottenberg AMP et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz sobre o consumo de Gorduras e Saúde Cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2013;100(1Supl.3):1-40. 
[5] Zelman K. The great fat debate: a closer look at the controversy-questioning the validity of age-old dietary guidance. J Am Diet Assoc. 2011;111(5):655-8. 
[6] Jakobsen MU, O’Reilly EJ, Heitmann BL, Pereira MA, Bälter K, Fraser GE et al. Major types of dietary fat and risk of coronary heart disease: a pooled analysis of 11 cohort studies. Am J Clin Nutr. 2009;89(5):1425-32. 
[7] Edem DO. Palm oil: Biochemical, physiological, nutritional, hematological, and toxicological aspects: A review. Plant Foods for Human Nutrition 2002; 57: 319–341.

* Dr. Fabio Cardoso de Carvalho é cardiologista intervencionista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP). Possui título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e Associação Médica Brasileira e título de especialista em Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista, conferido pela Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista e Associação Médica Brasileira.

Colaboração de Adriana Gemignani, para o EcoDebate, 29/10/2013
Link:

Nenhum comentário:

Postar um comentário