A COMPROVAÇÃO DA CIÊNCIA
MARIA VITÓRIA Da equipe do Correio
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu o primeiro registro para um medicamento elaborado a partir de uma planta do cerrado. É a pomada Fitoscar, um produto da Apsen Farmacêutica, de São Paulo, composto de Stryphnodendron adstringens, conhecido como barbatimão. O remédio, segundo o registro na Anvisa, tem efeitos cicatrizante, anti-inflamatório e antimicrobiano. A pesquisa clínica foi realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto.
Enquanto o laboratório não define a data de lançamento do medicamento, o assistente de laboratório da Embrapa Cerrados, o goiano José Ferreira Paixão é categórico: “A infusão da casca do barbatimão é excelente para fazer compressas em machucados”, diz, enquanto corta uma lasca do caule da planta e mostra o líquido espesso que escorre do corte. “Ninguém, porém, deve beber o chá. Ele é tóxico e pode trazer danos ao fígado”, alerta.
Paixão, 54 anos, aprendeu a reconhecer o poder medicinal das plantas do cerrado com os pais, em casa. Nascido em Pirenopólis, criado em Niquelândia, e vivendo em Brasília desde 1978, ele conhece bem os campos de árvores retorcidas. “Quando criança, tive malária e fui curado pelo meu pai com remédio de uma planta da mato. Dizem que a doença volta, mas nunca tive outra crise”, conta. Com o trabalho que realiza, aperfeiçoou os conhecimentos adquiridos com a família. “Só uso remédio do mato e várias pessoas me procuram em busca de conselho. Digo o que sei, mas sempre alerto que tudo em excesso faz mal. Não sou médico.”
Uma das plantas conhecidas por Paixão é a pata-de-vaca. Essa sim já conta com estudos científicos comprovando a eficácia para controlar os níveis de glicose no sangue. Pesquisadores do Laboratório de Farmacologia Molecular da Universidade de Brasília (UnB) confirmaram o que o povo já sabia há dezenas de anos. O professor Francisco de Assis Rocha Neves, coordenador do laboratório, e o orientando Marlon Duarte da Costa verificaram em ensaios in vitro, realizados com células humanas, que o extrato da planta ativa o receptor PPAR-gama — um potente estimulador da ação da insulina, o hormônio responsável pela entrada de glicose na célula.
A má notícia para os diabéticos é que, além de facilitar a ação da insulina, o extrato da pata-de-vaca ativa outros receptores, como o estrógeno, que pode aumentar o risco de câncer de útero e mama, e o da transcrição genética, que pode alterar o funcionamento da renovação celular. Apesar do experimento ter sido feito com o extrato, Neves acredita que os efeitos nas células seriam os mesmos que com a ingestão do chá.
Os estudos científicos ainda estão em andamento, mas Crista Schops, 84 anos, usa cápsulas com extrato seco dessa planta há vários anos para evitar a diabetes. “Sou pré-diabética e meu médico receitou esse remédio. Mantenho a glicose sob controle desde então”, diz a bibliotecária m édica aposentada da Secretaria de Saúde. Defensora ardorosa das plantas medicinais, Crista fala também com entusiasmo da espinheira santa, um fitoterápico para tratar úlcera e gastrite. “Precisamos valorizar a nossa vegetação terapêutica”, diz.
Monique Renne/CB/D.A Press
José Ferreira Paixão foi criado no cerrado: uso da sabedoria popular nos laboratórios da Embrapa
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