O Brasil é um país diverso, contraditório e complexo em inúmeras questões, entre elas o desenvolvimento e produção de medicamentos a partir da flora nativa.
O País convive com a iniquidade no acesso aos medicamentos, a dependência nos setores farmacêutico e farmacoquímico e graves problemas de saúde pública. Por outro lado, possui uma das mais ricas biodiversidades do planeta e uma população culturalmente adaptada ao uso de plantas medicinais, o que poderia representar uma grande oportunidade para a busca da autonomia na produção de medicamentos.
Levantamentos etnobotânicos atestam o extenso uso de espécies vegetais em práticas de autocuidado no país, sendo que aproximadamente metade das espécies utilizadas são nativas. No entanto, estudos científicos que assegurem a eficácia e a segurança destas plantas e que definam a viabilidade de sua exploração sustentável, com desenvolvimento de produtos com valor agregado, são virtualmente inexistentes. Em consequência, a maioria dos medicamentos fitoterápicos registrados na ANVISA é produzida com espécies exóticas e não cultivadas no país, para as quais existe um corpo mais robusto de dados científicos. É uma questão de responsabilidade!
Também, o Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira, privilegia em larga escala as plantas exóticas. Além disso, e talvez por isso mesmo, os medicamentos fitoterápicos com adequada qualidade disponíveis no mercado nacional têm um alto custo para a maioria da população, que segue com acesso restrito ao medicamento, independentemente de sua origem, natural ou sintética.
O governo desenhou políticas específicas para o setor e vem desenvolvendo ações significativas para a implementação da fitoterapia na rede básica de saúde. Parte importante destas políticas incorpora o uso tradicional de plantas medicinais como estratégia para promoção da saúde, estímulo à cadeia produtiva, e busca de desenvolvimento social. No entanto, não considero que estejam estabelecidas estratégias apropriadas para a comprovação da eficácia das medicinas tradicionais, e entendo que esta é uma responsabilidade da qual o governo e a comunidade científica não podem se eximir. Caso contrário, incorreremos no risco de efetivar uma simples apropriação de um conhecimento construído no contexto da desassistência, sem oportunizar uma real melhoria na qualidade de vida da população. A não garantia de eficácia nos moldes da medicina científica ou baseada em evidências implica aceitação restrita por parte da comunidade médica.
Este não é um impasse exclusivamente brasileiro e tem sido objeto de discussão por pesquisadores na área em todo o mundo. Mesmo se considerarmos a abordagem da comprovação da eficácia de moléculas puras isoladas de plantas, a taxa de insucesso em ensaios clínicos tem sido bastante elevada, o que pode significar que a abordagem farmacológica clássica, que em geral considera a interação de uma molécula com um único alvo biológico, precisa ser revista. Pesquisadores tem proposto a integração entre estudos etnobotânicos e etnofarmacológicos com a biologia de sistemas e ferramentas ômicas.
Não está ainda claro para mim como isso se daria no nível concreto de nossas demandas. Mas penso que a discussão deve se instalar no País, como um compromisso para com as gerações futuras.
Este editorial foi escrito, a convite, pela Profa Dra Stela Rates, Professora Titular da Faculdade de Farmácia e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas – UFRGS.
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