Alimentos ultraprocessados. Foto: Abrasco
[EcoDebate] Para quem deseja uma boa alimentação, não há saída que não envolva a preparação culinária, defende o professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) Carlos Augusto Monteiro.
Ele manifesta que “você não precisa cozinhar a própria comida, alguém pode prepará-la para você, mas ela não pode basicamente ser feita pela indústria de alimentos”, argumenta Monteiro.
A publicação sugere como base da alimentação os alimentos frescos, como frutas, carnes, legumes e ovos, ou que sejam minimamente processados, como arroz, feijão e frutas secas.
Recomenda ainda evitar os alimentos ultraprocessados, como macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote e refrigerantes.
Em entrevista concedida à Agência FAPESP, o pesquisador contou como foi o processo de levantamento das evidências científicas que dão o embasamento teórico ao guia de alimentação que coordenou, e que foi redigido por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (USP), com a colaboração de especialistas de todo o Brasil.
A grande preocupação, destacou Monteiro, foi criar um instrumento útil para qualquer cidadão e não apenas para os especialistas em nutrição. Além de criar uma classificação original para os alimentos com base no grau de processamento, o guia traz informações sobre os impactos ambientais das escolhas alimentares. Fala ainda sobre a importância de um ambiente adequado para as refeições e recomenda que as pessoas se alimentem em boa companhia.
Perguntado sobre como funcionava a nova classificação dos alimentos proposta pelo guia alimentar que coordenou, o professor Carlos Augusto Monteiro se manifestou arguindo que “O entendimento de que alimentos processados podem acarretar problemas para a saúde é antigo, mas impreciso, pois não especifica os tipos de processamento e a natureza dos problemas.
Para preencher essa lacuna, nosso núcleo de pesquisa na USP criou uma classificação de alimentos baseada no grau de processamento industrial e que contempla quatro grupos. No primeiro grupo, que deve ser a base da alimentação, estão os alimentos in natura, como frutas e hortaliças. São adquiridos para consumo sem qualquer alteração após deixarem a natureza. Também estão incluídos no primeiro grupo os alimentos minimamente processados, aqueles que antes de sua aquisição foram submetidos a alterações mínimas, como grãos secos, polidos e empacotados ou moídos na forma de farinhas, cortes de carne resfriados ou congelados e leite pasteurizado.
A segunda categoria corresponde a substâncias extraídas de alimentos “in natura” ou diretamente da natureza e usadas pelas pessoas em preparações culinárias, como óleos, gorduras, açúcar e sal. Essas substâncias, quando utilizadas, em pequenas quantidades, para temperar e cozinhar alimentos in natura ou minimamente processados, propiciam diversidade e sabor às preparações culinárias, sem comprometer sua composição nutricional.
No terceiro grupo estão os produtos fabricados essencialmente com a adição de sal ou açúcar a um alimento in natura ou minimamente processado, como legumes em conserva, frutas em calda, queijos e pães. O consumo desse grupo deve ser limitado a pequenas quantidades, como acompanhamento, e não em substituição a alimentos minimamente processados e preparações culinárias.
A quarta categoria, que deve ser evitada, é a dos alimentos ultraprocessados, como refrigerantes, biscoitos e salgadinhos de pacote. Esses produtos são formulações criadas pela moderna indústria de alimentos, com pouco ou nenhum alimento verdadeiro e grandes quantidades de óleo, sal e açúcar, além de muitas outras substâncias. Essas substâncias são derivadas de constituintes de alimentos ou de outras matérias orgânicas e incluem amidos modificados, isolados de proteínas, soro de leite, gordura hidrogenada e todo o grupo dos aditivos químicos. Os aditivos usados na manufatura de alimentos ultraprocessados têm como função prolongar quase indefinidamente a duração dos produtos e torná-los tão ou mais atraentes do que os alimentos verdadeiros.
Arguindo porque os alimentos ultraprocessados devem ser evitados, Monteiro reflete “o ultraprocessamento permite fazer produtos de muito baixo custo e de grande aceitabilidade, durabilidade e conveniência. Isso é conseguido por meio de processos tecnológicos muito sofisticados e uso de ingredientes relativamente baratos, como açúcar, gorduras, sal e aditivos. Além de ter um perfil nutricional intrinsicamente desequilibrado com muito sódio, muito açúcar e muita gordura, que não saudável. E os processos e ingredientes utilizados no ultraprocessamento, levam a produtos que confundem o controle natural da fome e saciedade e que, nesta medida, promovem a obesidade. Primeiro, porque são produtos que contêm grande quantidade de calorias por volume. Segundo, porque, sendo praticamente pré-digeridos e contendo pouca ou nenhuma fibra alimentar, são absorvidos muito rapidamente. Terceiro porque são hiper-palatáveis. De fato, alimentos ultraprocessados são manufaturados para que sejam “irresistíveis” e isso é comumente mencionado na propaganda desses produtos. Por último, há a questão da segurança dos aditivos alimentares.
Perguntado se os aditivos alimentares não são seguros, assim se referiu Monteiro “embora a indústria só utilize aditivos alimentares legalmente permitidos, as avaliações que geram essas permissões são muito limitadas, não levando em conta efeitos de longo prazo e efeitos de interações entre aditivos. Estudos recentes vêm mostrando, por exemplo, que adoçantes artificiais e emulsificantes, aditivos muito comuns em alimentos ultraprocessados, podem alterar a microflora intestinal e destruir a camada de muco que protege o epitélio intestinal, levando ao aumento do risco de colite, obesidade, diabetes e outras doenças crônicas. Por conta do crescimento exponencial das vendas de alimentos ultraprocessados, há centenas de novos aditivos entrando no mercado todos os anos. Mesmo que apenas uma proporção ínfima desses aditivos seja prejudicial à saúde, então as consequências para a saúde pública podem ser muito graves. É urgente que haja uma regulação mais criteriosa dos aditivos alimentares.
Questionado sobre a motivação de incluir orientações sobre o ambiente onde se come e sobre a companhia da refeição, disse “quando comemos sozinho, é maior a probabilidade de ligar uma televisão ou pegar um jornal para ler. Há estudos que mostram que o comer sem prestar atenção na comida (“mindless eating”, em inglês) prejudica os sensores naturais que nos indicam que a quantidade do que se ingere, já é suficiente. Quando se compartilha a refeição com mais pessoas, ampliamos naturalmente a variedade de alimentos, que é essencial para a boa alimentação. E também reduz custo. Se cada um come sozinho, a opção mais econômica pode ser comprar algo pronto e pôr no micro-ondas. Essas orientações não são comuns nos guias alimentares e por isso o guia brasileiro tem atraído tanta atenção.
Quando provocado sobre se a dieta da população brasileira caminhava no sentido de se parecer com a da população norte-americana, manifestou “estamos em um momento de transição. Nossos estudos populacionais sobre a dieta brasileira mostram que em 2009 a proporção de alimentos ultraprocessados consumidos no Brasil correspondia a 28% do total de calorias. Em 2003 era 23% e nos anos 1980 era menos do que 20%. Esse consumo está crescendo muito, mas ainda hoje 70% das calorias que o brasileiro consome vêm de alimentos minimamente processados e de preparações culinárias. Ainda estamos “do lado de cá” e por isso o guia alimentar é muito importante. É importante levar informação, pois muitas pessoas não têm ideia das implicações de suas escolhas alimentares. Talvez saibam em parte, no que se refere ao impacto sobre a saúde. O guia mostra porque o consumo de alimentos ultraprocessados é ruim também para a sociedade, para o ambiente e para a biodiversidade. Mas sabemos que não basta apenas informar a população. O guia deixa clara a importância de políticas públicas que amparem as escolhas alimentares saudáveis, como a taxação e o controle da publicidade dos produtos ultraprocessados. Mas essas medidas só vão ser aprovadas quando houver demanda da sociedade.
Por derradeiro, ao se pronunciar sobre a necessidade de políticas públicas seriam necessárias, Monteiro refere que “a primeira delas seria regular o marketing dos alimentos ultraprocessados. No Brasil, o fator que mais faz aumentar o consumo desses produtos nem é tanto o preço, pois o custo da caloria que vem dos alimentos ultraprocessados ainda é maior do que a caloria de um alimento “in natura” e das preparações culinárias. No Brasil, o principal responsável pela ampliação no consumo de ultraprocessados é o marketing sofisticado, que é muito caro, mas muito eficiente e ao alcance das empresas transnacionais que dominam o lucrativo mercado dos ultraprocessados.
Referências:
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.
in EcoDebate, 13/01/2016
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