A casca do seu caule está incluída como matéria-prima farmacêutica para a produção de um dos oito fitoterápicos que passaram a ser oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS); seu óleo essencial tem sido empregado para a produção de cosméticos; seus frutos tornaram-se produto de exportação brasileira destinado a incrementar refinados pratos da culinária europeia, e seu cultivo tem contribuído para engordar o bolso de produtores brasileiros. Nos Estados Unidos, a espécie ainda é ornamental, utilizada principalmente em decorações de Natal - por isso, lá recebeu a denominação de “Christmas-berry”.
Todo esse atributo apenas para uma única planta que ainda representa, sob o ponto de vista ambiental, uma ótima alternativa para a recuperação de ambientes degradados, principalmente em áreas de domínio da Mata Atlântica. Estamos falando da Aroeira.
A espécie Schinus terebinthifolius Raddi (sinonímia: Schinus molle var. hassleri Bakl.), pertencente à família Anacardiaceae, popularmente conhecida como aroeirinha, aroeira, pimenta-rosa, aroeira mansa, aroeira-vermelha, aroeira-pimenteira, fruto-de-sabiá, cambuí, entre outros. A sua ocorrência no Brasil abrange áreas do Nordeste ao Sul, em formações vegetais que variam da restinga a matas de galeria.
A árvore
A árvore adulta tem de 5 a 10 metros de altura, com o tronco envolto por casca grossa e medindo de 30 a 60 cm de diâmetro à altura do peito. A copa é densa e as suas folhas são compostas por 3 a 10 pares de folíolos de bordas serreadas. As suas flores são pequenas e têm coloração levemente amarelada, florescendo geralmente de setembro a janeiro.
A frutificação, de acordo com a região, acontece entre janeiro e julho. Os seus frutos são pequenos, avermelhados e posicionados nas extremidades dos ramos.
Diferentes partes da planta já foram submetidas a estudo fitoquímico, que demonstrou a presença de metabólitos secundários, como taninos, alcaloides, flavonoides, saponinas, antraquinonas, terpenos e óleo essencial. Esse último, presente nas folhas e frutos, pode apresentar teores de 1% e 5%, respectivamente. Os principais constituintes do óleo essencial são o cis-sabinol, limonpineno, delta-caroteno, alfa- e beta-elandeno, eschinol, terechutona, e ácido terebentifólico. A composição química do óleo essencial de Schinus terebinthifolius pode variar de acordo com diversos fatores, como a localização geográfica de plantio, a variabilidade genética e o processo extrativo usado na obtenção.
Na medicina popular, a aroeirinha é usada para o tratamento de úlceras, problemas respiratórios, cicatrização de feridas, reumatismo, artrite e como antisséptico e anti-inflamatório. No Brasil, principalmente no Nordeste, o decocto das cascas do caule da aroeira tem sido muito utilizado no tratamento de afecções do aparelho ginecológico. Na Argentina, a decocção, feita das folhas secas, é usada para desordens menstruais e urinárias. No Peru, a seiva é utilizada como purgante e diurético e, na África do Sul, o chá da folha é usado para o tratamento de resfriados.
Medicamento fitoterápico a base de aroeirinha no SUS
A partir deste ano, os postos de saúde poderão oferecer fitoterápicos produzidos à base das cascas de Schinus terebinthifolius (aroeira), financiados pelo SUS. A portaria nº 2.982, de 26 de novembro de 2009, publicada no Diário Oficial da União, amplia a oferta de fitoterápicos no Componente Básico de Assistência Farmacêutica, passando a oferecer, além do fitoterápico de aroeira, medicamentos produzidos à base de outras sete plantas: espinheira-santa, guaco, alcachofra, cáscara sagrada, garra do diabo, isoflavona da soja e unha de gato. Essa portaria representa um grande avanço para a fitoterapia, contribuindo para o uso sustentável da biodiversidade nacional, desenvolvimento da agricultura e da indústria, incentivo à criação de empregos em toda a cadeia produtiva do fitoterápico, além de disponibilizar mais uma opção terapêutica aos usuários do SUS. Esse financiamento do fitoterápico pelo governo segue recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que os países usem os recursos naturais disponíveis no próprio território para promover a atenção primária à saúde.
A indicação das cascas de aroeira pelo SUS, nas formas farmacêuticas de gel ou óvulo, é como produto ginecológico para o tratamento de infecção vaginal. Para essa indicação, levou-se em consideração o grande número de evidências científicas de sua segurança e eficácia, inclusive com estudos clínicos realizados em seres humanos.
Emprego na indústria de cosmético
O óleo essencial extraído do fruto e da folha da aroeira tem ação antimicrobiana contra vários tipos de bactérias, fungos e vírus, além de atividade repelente contra a mosca doméstica. Externamente, o óleo essencial é utilizado na forma de loções, géis e sabonetes, indicado para a limpeza de pele, coceira, acne, manchas, antissepsia de ferimentos, micoses e para o banho.
Recentemente, a forte ação antioxidante de extratos de S. terebinthifolius tem chamado a atenção da indústria de cosmético, que a utiliza principalmente em formulações para a proteção da pele. O óleo essencial, pela sua fragrância, também é altamente apreciado pela indústria de perfumes.
Emprego na indústria de alimentos
Os frutos da aroeira têm sido amplamente utilizados na culinária internacional, principalmente na francesa, recebendo o nome de poivre rose (“pimenta-rosa”, em francês), promovendo um aumento na procura desta espécie pelas indústrias de condimentos. Há pouco tempo, passou a fazer parte também da culinária brasileira - até então seus frutos eram exportados para fazer parte de pratos europeus. Quando fresca e bem conservada, a pimenta-rosa apresenta uma película fina e delicada de cor avermelhada ou rosada, de textura quebradiça que envolve uma semente escura de sabor levemente adocicado e pouca ardência. A pequena semente dos frutos, mais conhecida na culinária europeia como pimenta-rosa, apesar do aroma de pimenta, apresenta sabor levemente adocicado e ardência bem delicada (quase imperceptível).
Hoje a exploração dos seus frutos se restringe à coleta não mecanizada em populações nativas nos estados do Espírito Santo e no Sergipe. Esta atividade de manejo propicia uma alternativa de renda às famílias de coletores.
Recuperação de áreas degradadas
Atualmente, a espécie Schinus terebinthifolius vem sendo amplamente utilizada na recuperação de matas ciliares e áreas destruídas e contaminadas pela mineração. A facilidade de cultivo em viveiros, a elevada porcentagem de germinação e grande rusticidade são os principais motivos para se utilizar esta árvore no reflorestamento ambiental.
O uso de espécies vegetais nativas em programas de reflorestamentos é bastante promissor, pois são mais adaptadas às condições edafoclimáticas locais e, com isso, facilitariam o estabelecimento da vegetação e as suas relações com a fauna regional. O desenvolvimento de pesquisas que visem reduzir os custos de produção e preservar a qualidade das mudas seria de grande valor, pois incentivaria projetos de recuperação ambiental.
Cultivo e coleta
O cultivo pode ser feito plantando os frutos recém-colhidos da aroeira em um substrato argiloso, como terra de horta, rica em nutrientes. As mudas podem ser produzidas em sacos plásticos ou em tubetes. Em saco plástico, as mudas têm adquirido maiores tamanhos, o que proporcionaria maior sobrevivência e crescimento inicial. Em viveiros, a aroeira floresce e frutifica já no primeiro ano de vida, gerando um retorno rápido ao investimento. Produtores rurais do estado do Espírito Santo têm experimentado a produção de mudas de aroeirinha por estaquia, obtendo bons resultados. Segundo alguns produtores capixabas, cada árvore chega a produzir 6 Kg de frutos frescos ao ano. A espécie deve ser cultivada sob sol pleno, em solo fértil, enriquecido com matéria orgânica e irrigado nos primeiros anos de implantação.
O período de frutificação da aroeira ocorre entre os meses de janeiro e julho, podendo haver variação de acordo com a região. Nesse período os frutos são coletados. A coleta é realizada de forma simples, na maioria das vezes de forma manual, mas para alcançar os galhos mais altos pode se utilizar podão, de forma a evitar maiores agressões à planta, como a quebra de galhos da copa. Após a coleta, os frutos devem ser levados ao galpão de beneficiamento. Ali, aqueles destinados ao comércio de alimentos, devem ser selecionados principalmente quanto à integridade e à maturidade, sendo retirados os frutos verdes, muito maduros ou “murchos”. Para a produção do óleo essencial, basta retirar os materiais estranhos (insetos, terra, partes de outras plantas, etc.). Pesquisas realizadas no Laboratório de Biodiversidade do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFV mostraram maior teor de óleo essencial nos frutos maduros (1,3%) em relação aos verdes. No entanto, a composição qualitativa entre esses óleos essenciais não demonstrou grandes variações.
Comercialização
Os maiores produtores mundiais de pimenta-rosa encontram-se nas Ilhas Maurício, no Oceano Índico, e têm produção de alta qualidade voltada para as exigências dos países consumidores, principalmente a França. No Brasil, também há produção, principalmente no Espírito Santo. Para a produção de uma tonelada de pimenta-rosa desidratada necessita-se de 4 toneladas de frutos frescos. Nesse estado, entre 2002 e 2003, os frutos foram comprados a R$ 0,80 Kg. Em 2004, esse valor alcançou R$1,00/Kg, com o material sendo entregue na própria comunidade produtora. A pimenta-rosa é usualmente empacotada em embalagem de 5 a 10 Kg, fechada a vácuo. Seu valor no mercado interno está em torno de R$8,00; já para a exportação chega a US$14. De acordo com produtores capixabas, a maior parte dos frutos da aroeirinha é exportada para países da Europa, com destaque para a França, mas pequena parte é comercializada no mercado interno, principalmente, para compradores de São Paulo.
Quanto ao óleo essencial extraído dos frutos, o preço do frasco de 10 mL é de cerca de R$ 25,00, mais vendido para indústrias de cosméticos.
Perspectivas
O incentivo à agroatividade, que conserva a flora nativa e contribui para o desenvolvimento econômico da população rural, aliando pesquisa científica e políticas públicas, é de fundamental importância para a redução do êxodo rural e para a qualidade de vida do homem do campo. Esse tem sido o propósito do Programa de Bioprospecção e Uso Sustentável dos Recursos Naturais da Serra do Brigadeiro (BioPESB), uma rede formada por pesquisadores da UFV e a comunidade do território da Serra do Brigadeiro, importante região de Mata Atlântica, localizada na Zona da Mata mineira.
Atualmente, pesquisadores do BioPESB têm se dedicado à pesquisa, dentre outras plantas nativas da Mata Atlântica, da espécie Schinus terebinthifolius, e também à produção de mudas para repasse a produtores rurais da Serra do Brigadeiro. Para esse projeto, o Programa conta com a colaboração financeira do Programa de Extensão Universitária (ProExt) dos ministérios da Cultura e da Educação.
Agradecimentos
Ao PROEXT, pelo apoio financeiro, e às pró-Reitorias de Pesquisa e de Extensão da UFV, pelo apoio logístico ao BioPESB.
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Texto: Alisson Andrade Almeida e João Paulo Viana Leite (*) Alisson Andrade Almeida e João Paulo Viana Leite são, respectivamente, graduando do Curso Bacharelado em Bioquímica (Bolsista PROEXT/2009) e Professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFV e coordenador do Programa de Bioprospecção e Uso Sustentável dos Recursos Naturais da Serra do Brigadeiro (BioPESB)
Publicado em 11.06.2010
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