quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Cientistas do IGC descobrem mecanismo que silencia genes móveis em plantas

Mecanismos que silenciam genes móveis estão ativos em células sexuais


Em qualquer organismo vivo, todas as células têm o mesmo DNA, mas a identidade de cada célula é definida pela combinação de genes que estão ligados ou desligados num determinado momento. Nos animais, esta memória celular é apagada entre gerações, para que o novo ovo não tenha memória, e assim tenha potencial para originar qualquer tipo de célula. Pelo contrário, nas plantas com flor a memória celular passa de geração em geração, tendo um risco potencial para o desenvolvimento das novas plantas. Num estudo publicado esta semana na revista científica Cell*, cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência e de Cold Spring Harbor Laboratory (CSHL), nos EUA, descobriram um novo mecanismo nos grãos de pólen e nas sementes que silencia sequências potencialmente mutagénicas de DNA móvel, evitando assim que haja um dano nas novas plantas.
Legenda: Mapa do estado de metilação do genoma das células sexuais masculinas, e das suas células percursoras, de Arabidopsis thaliana. No centro, imagem de um grão de pólen com o núcleo vegetativo marcado a vermelho e as células sexuais a verde. (Créditos: Filipe Borges, IGC, e Joseph Calarco, CSHL, 2012).

Um dos principais mecanismos que contribui para a memória celular é a adição de um grupo químico – o grupo metilo – a sequências de DNA (um processo chamado de metilação). A metilação do DNA desliga os genes. Estas alterações na expressão de genes que são hereditárias, mas que não estão escritas diretamente na sequência de DNA, são chamadas de epigenéticas.

Usando a planta Arabidopsis thaliana, a equipa de Jörg Becker (http://www.igc.gulbenkian.pt/research/unit/102) e José Feijó (http://www.igc.gulbenkian.pt/research/unit/38), no IGC, e Robert Martienssen e colegas, em CSHL, analisaram o genoma de grãos de pólen e as suas células precursoras, os micrósporos, e determinaram as sequências de DNA que estavam metiladas. Os grãos de polén são constituídos por um núcleo vegetativo e duas células sexuais masculinas. O núcleo vegetativo não contribui com material genético para a nova planta, ao contrário das células sexuais. Graças à técnica desenvolvida pelo grupo do IGC, os investigadores foram capazes de separar as duas células sexuais e o núcleo vegetativo dos grãos de pólen e puderam observar os seus níveis de metilação separadamente.

Joseph Calarco (do laboratório de Martienssen) e Filipe Borges (do laboratório de Becker) viram que a metilação do DNA é maioritariamente mantida nos micrósporos e nos grãos de pólen. Mas existem diferenças entre estas células. Nos grãos de pólen, algumas sequências de DNA são metiladas nas células sexuais mas não no núcleo vegetativo, e vice‐versa. Entre estes genes não metilados estão genes móveis, chamados de transposões, que podem‐se tornar ativos e originar mutações.

Esta equipa de investigação descobriu que esta situação pode ser prevenida por pequenas sequências de RNA (chamadas de siRNA) que repõem a metilação dos transposões no embrião. De facto, eles encontraram nas células sexuais sequências de siRNA que silenciam os transposões mesmo antes da fertilização, pelo menos nalguns casos.

Os transposões são muito comuns em todos os genomas conhecidos. Por exemplo, constituem cerca de 45% do genoma humano e estão envolvidos na sua evolução bem como na de outros organismos. Estes elementos móveis ao integrarem‐se numa determinada posição do genoma, diferente da original, podem alterar a função e a organização de outros genes. Contudo, o movimento dos transposões pode causar mutações prejudiciais para as células e para o organismo, daí a necessidade de existir um controlo apertado da sua expressão. Se essas mutações ocorrerem nas células sexuais, elas serão transmitidas à próxima geração.

Diz Jörg Becker, ‘Nós revelámos um mecanismo nas células sexuais que previne a ativação de transposões potencialmente prejudiciais e, ao mesmo tempo, depois da fusão das células sexuais masculinas e femininas, permite a formação de uma célula com total capacidade para se tornar em qualquer tipo de célula, que dará origem a uma nova geração. Por outro lado, se na célula do ovo as sequências de siRNA oriundas da célula feminina não corresponderem aos transposões que vêm da célula masculina, estes podem escapar ao silenciamento no embrião em desenvolvimento, com potenciais danos para a nova planta gerada. Esta ativação não controlada dos transposões pode, pelo menos em parte, explicar barreiras de hibridização existentes, nas quais cruzamentos entre espécies resultam no aborto de sementes ou infertilidade. A quebra destas barreiras levaria a um aumento na probabilidade dos produtores de plantas melhorarem as culturas de espécies através do uso do fenómeno de vigor híbrido, no qual a descendência mostra qualidades superiores aos seus progenitores, exemplificado em vários híbridos de milho e arroz.’

Era sabido que as plantas com flor são uma exceção à regra de reposição da memória celular, visto que estas modificações são herdadas por centenas de gerações. Mas a extensão a que isto ocorre nas células sexuais das plantas e qual a contribuição da reprogramação epigenética do genoma permanecia desconhecida até agora. O mecanismo agora descrito pode servir como forteargumento para explicar como a reprodução sexual evoluiu e se tornou tão predominante na maioria dos organismos superiores.

Este estudo foi realizado com financiamentos do National Institutes of Health (NIH), nos Estados Unidos da América, e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), em Portugal.

* Joseph P. Calarco, Filipe Borges, Mark T.A. Donoghue, Frédéric Van Ex, Pauline E. Julien, Telma Lopes, Rui Gardner, Frédéric Berger, José A. Feijó, Jörg D. Becker, Robert A. Martienssen. (2012) Reprogramming of DNA methylation in pollen guides epigenetic inheritance via small RNA. Cell.

Data: 20.09.2012
Link:
http://www.cienciapt.net/pt/index.php?option=com_content&task=view&id=107181&Itemid=337

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