segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Biofilmes produzidos com mandioca, banana e quinoa protegem e garantem longa vida a vários alimentos

SERGIO KALILI | Edição 197 - Julho de 2012

© LÉO RAMOS
Aplicação de gel de mandioca em morangos

As mudanças nos hábitos alimentares e a falta de tempo no dia a dia de quem vive nas grandes cidades, além da busca por um consumo sem desperdícios, têm provocado aumento nos estudos sobre alimentos frescos que possam durar mais tempo na prateleira ou na geladeira. As novidades estão surgindo na forma de embalagens dotadas de biofilmes biodegradáveis e coberturas comestíveis que estão ganhando forma na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nos grupos de pesquisa das professoras Miriam Dupas Hubinger e Florência Cecilia Menegalli o desafio é conseguir embalagens baratas, práticas e não poluentes, além de fáceis de produzir.

Desde 2000, o grupo de Florência se volta para o desenvolvimento de embalagens biodegradáveis e coberturas comestíveis para frutas secas. Miriam e suas orientadas especializaram-se em coberturas para frutas frescas e hortaliças, os chamados produtos minimamente processados. “Nossas coberturas aliam dois benefícios: a praticidade para quem vai consumir, já que a fruta está prontinha, descascada e cortada, e o aspecto saudável do alimento”, diz Miriam. Ela explica que suas coberturas funcionam como uma barreira, conservando a água e os sais minerais da fruta, protegendo-a de microrganismos e do contato com o ar.

Simplicidade foi uma das razões que levaram Miriam a trabalhar com coberturas à base de farinha de fécula de mandioca na forma de gel. A concentração desse material para formar uma cobertura é menor do que a usada para fazer um filme sólido, semelhante ao plástico, que necessita da adição de agentes plastificantes para ficar flexível. “Privilegiamos o custo, a disponibilidade e a facilidade no preparo da cobertura, em uma farinha que se gelatiniza a baixas concentrações e não altera o sabor dos alimentos”, explica Miriam.

“As coberturas precisam ter resistência ao oxigênio do ar, ao vapor de água e a microrganismos, sem esquecer o principal: a aceitação sensorial do consumidor.” Somada aos polissacarídeos da farinha, que é a base da cobertura, a professora utiliza uma mistura de dois componentes naturais, o ácido cítrico, encontrado na laranja, por exemplo, e o ácido ascórbico (vitamina C). Eles são adicionados antes de mergulhar a fruta na cobertura, inibindo a atividade enzimática, um dos fatores que levam ao escurecimento do alimento em contato com o ar. Depois o alimento é deixado para escoar o líquido em temperatura ambiente.

A solução de cobertura de fécula de mandioca cria uma barreira com baixa permeabilidade do oxigênio do ar, mas não protege o produto do vapor-d’água, presente na atmosfera. O recurso encontrado para proteger o alimento foi a produção de coberturas emulsionadas ou em camada dupla que mistura a farinha de mandioca com lipídeos como, por exemplo, cera de carnaúba ou de abelha. Os resultados oriundos dessa estratégia foram animadores.

Atividade correta

O morango coberto com fécula de mandioca, sem nenhum agente antimicrobiano, durou 12 dias, quando o normal são cinco. No caso do abacaxi sem casca, que normalmente tem uma vida de prateleira de quatro dias, a sobrevida também foi em torno de 12 dias. A manga cortada, coberta com cobertura de mandioca, chegou a resistir 15 dias. O normal é escurecer em dois dias apenas. Marcela Chiumarelli, aluna que colaborou no estudo das coberturas, explica que “o manuseio de produtos minimamente processados ainda é recente no país, e muitos mercados e atacadões não realizam a atividade corretamente”.

Florência e seu grupo estão testando várias composições para a produção laboratorial de biofilmes eficientes para diferentes funções como resistência, flexibilidade e comestível. Entre os ingredientes utilizados estão fontes não convencionais para a produção de farinha e amido de cereais como o amaranto, originário da região dos Andes, na América do Sul, e mais recentemente de banana, em um filme reforçado por nanofibras de celulose obtidas da casca da própria fruta, além do uso de nanocompostos com base na montmorilonita, uma argila mineral presente no subsolo de algumas regiões de Minas Gerais. Do amido de quinoa, uma planta também nativa dos Andes, foram produzidos filmes incolores com reduzida solubilidade em água.

A professora esclarece que as experiências com nanocompostos são as mais recentes e complexas. “Usamos a própria farinha da banana e do biri, que é uma planta ornamental. Isolamos os biopolímeros e fizemos a produção de uma fibra celulósica dos resíduos. A microfibra feita de nanopartículas deixa o filme menos permeável, menos solúvel”, diz Florência. Esse produto, no entanto, vai levar mais tempo para chegar ao consumidor. “Não podemos buscar acordos comerciais porque precisamos primeiro observar qual é o efeito no homem da ingestão de nanopartículas.” Outro estudo do grupo é na área de coberturas de frutos secos com biopolímeros que são aplicados antes da secagem. Já foram testados em carambola, figo e caqui.

No âmbito comercial, nos Estados Unidos, a empresa Nature Seal produz coberturas comestíveis que, aplicadas à superfície de frutas e hortaliças, mantêm, por exemplo, maçãs em pedaços com coloração clara, sem perder sabor e vitaminas por mais de 10 dias. Os trabalhos do grupo de Miriam, precisamente a pesquisa com morangos, chamou a atenção de uma importante cadeia de lanchonetes dos Estados Unidos e de uma grande empresa da Bélgica que comercializa cerejas, framboesas e mirtilos. Um mercado bilionário está se formando porque lanchonetes como McDonald’s, Burger King, Wendy’s e Jack in the Box tornaram seus cardápios mais verdes, adicionando saladas e frutas frescas ao menu. O que as coloca entre potenciais consumidores de biofilmes.

Artigos científicos


ANDRADE-MAHECHA, M.M. et al. Development and optimization of biodegradable films based on achira flour. Carbohydrate Polymers. v. 88, n. 2, p. 449-58. abr. 2012.

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