domingo, 13 de janeiro de 2013

Um número crescente de universidades e instituições cria escritórios de apoio ao pesquisador

FABRÍCIO MARQUES | Edição 203 - Janeiro de 2013


Ganhou velocidade em 2012 uma iniciativa da FAPESP que estimula universidades e instituições de pesquisa a reduzir o tempo gasto pelos pesquisadores na administração burocrática de projetos, liberando-os para fazer seu trabalho primordial, que é produzir conhecimento. Trata-se de um programa que oferece treinamento a funcionários de universidades do estado de São Paulo responsáveis por cuidar das prestações de contas e de outras necessidades de projetos de pesquisa, desobrigando os pesquisadores desse encargo. Ao longo do ano passado, 38 turmas com seis servidores cada uma passaram temporadas de quatro dias na sede da FAPESP, na capital paulista, para conhecer em profundidade as modalidades de financiamento oferecidas pela Fundação e as exigências relacionadas a prestações de contas.

“É uma experiência gratificante, pois ao longo do treinamento os técnicos vão compreendendo o sentido das exigências nas prestações de contas e percebem como podem ajudar os pesquisadores”, diz Marcia Regina Napoli, responsável pela Gerência de Apoio, Informação e Comunicação (GAIC) da Diretoria Administrativa da FAPESP, que coordena o programa desde 2010. “Os exemplos que mais avançaram são aqueles em que os diretores de unidades se comprometeram com a ideia de manter um corpo de técnicos realmente dedicado a apoiar os pesquisadores”, afirma. Das cerca de 60 turmas que já receberam treinamento na FAPESP desde outubro de 2010, pelo menos 80% instituíram alguma modalidade de serviço de apoio ao pesquisador na sua instituição. A constatação foi feita pela própria equipe da GAIC, que vem visitando todas as unidades com funcionários treinados na FAPESP. “Cada instituição organiza o apoio de acordo com suas necessidades. Mas o retorno tem sido muito positivo”, diz Ricardo Vieira Simplício, da GAIC.

A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo é um exemplo de serviço bem estruturado que recebeu treinamento da FAPESP. Desde a criação da Secretaria de Apoio à Pesquisa (SAP), hoje com cinco funcionários, a instituição conseguiu ampliar a quantidade de projetos submetidos à FAPESP e aprovados. “Temos grande tradição em ensino e em assistência à população, com mais de 8 mil pacientes atendidos por dia. Queremos que nossos clínicos desenvolvam também uma tradição em pesquisa”, afirma a professora Lia Mara Rossi, coordenadora da SAP. “Começamos nosso trabalho visitando todos os departamentos para mostrar que o serviço existe e para oferecê-lo. Sempre dizemos para os pesquisadores: fiquem tranquilos, porque a parte chata é toda por nossa conta”, diz Lia. O escritório atua em várias frentes. Dá orientação sobre documentos e trâmites para pesquisadores interessados em apresentar projetos, alerta-os sobre o lançamento de editais e chamadas, faz a ponte entre estudantes interessados em bolsas de iniciação científica e de mestrado com líderes de grupos de pesquisa. Com base na experiência dos projetos aceitos, os funcionários do escritório sugerem ações preventivas. “Se vamos pedir uma bolsa para um aluno que precisa melhorar seu desempenho, já sugiro ao pesquisador tomar ciência das limitações do histórico escolar, mas salientar por que acredita no potencial do aluno. Assim, evita-se que o projeto volte com um questionamento a esse respeito. Se o pesquisador está sem publicar há algum tempo, também deve se antecipar e dar explicações sobre isso”, afirma Lia. O serviço providencia, ainda, o perfil dos pesquisadores no ResearcherID e no Google Citations, que fornecem dados sobre a produção científica individual – exigência feita por agências de fomento. “Consideramos nosso trabalho bem-feito quando o projeto é aceito pelo sistema da FAPESP e seu mérito começa a ser avaliado”, diz Lia. Cerca da metade dos projetos é aprovada, mas o escritório invariavelmente pede reconsideração dos projetos denegados e consegue que muitos deles sejam reavaliados. Desde 2008, o serviço já ajudou a administrar 226 projetos de pesquisa, acompanhando diretamente 160 deles. Desses, 89% são da FAPESP, 7% do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e 4% da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A tomada de preços, a emissão de cheques e o arquivamento de notas fiscais de cada projeto são feitos pela equipe, que armazena todas as informações em meio eletrônico. Com isso, na hora de prestar contas, está tudo organizado. O pesquisador é alertado com antecedência sobre aquelas tarefas que não pode delegar, como escrever relatórios científicos. Também há um serviço que provê tradução para o inglês de artigos científicos e de submissão desses manuscritos a periódicos. “Nada mais natural que o conhecimento gerado se transforme num artigo científico”, afirma a professora Lia.

Alívio e entusiasmo

Existe uma experiência comum à maioria dos escritórios de apoio ao pesquisador: a princípio, eles são vistos com reservas por alguns pesquisadores, principalmente os mais antigos. Mas aos poucos, quando veem os bons resultados em projetos dos colegas, aderem com alívio e entusiasmo. “Alguns permitem que atuemos apenas em algumas tarefas. Sabemos que ganhamos a confiança quando deixam o talão de cheques conosco”, diz Marli Mendonça da Silva, supervisora do Escritório Regional de Apoio à Pesquisa e à Internacionalização (Erapi) do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O Erapi (www.iq.unesp.br/#!/pesquisa/escritorio-de-pesquisa/) foi um dos primeiros a receber treinamento na FAPESP e funciona hoje numa sala de 50 metros quadrados, com quatro funcionários. Atualmente administra uma centena de projetos.

Como Marli era experiente nesse assunto – começou a cuidar das prestações de contas de pesquisadores do instituto desde meados dos anos 1980 –, foi convidada a disseminar a ideia em outras faculdades da instituição e participar de uma iniciativa de treinamento criada pela Unesp em 2010. Marli ingressou na Unesp em 1986 como funcionária do setor de comunicações e dois anos mais tarde começou a cuidar da prestação de contas de professores com vários projetos de pesquisa, como José Arana Varela, atual diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, e Vanderlan Bolzani, membro da coordenação do programa Biota-FAPESP. “Trabalhei praticamente sozinha durante muito tempo e era dureza quando eu tirava férias, mas fiquei muito satisfeita ao ver como esse trabalho começou a ser valorizado nos últimos tempos”, afirma.

Grandes universidades de pesquisa dispõem de serviços bem estruturados – os chamados Grant Management Offices – para ajudar os pesquisadores na administração de seus projetos, missão que é vista como um elo fundamental para garantir o fluxo de financiamento externo à pesquisa. Na Universidade Harvard, por exemplo, o gerenciamento dos projetos é coordenado pelo Escritório para Programas Patrocinados (OSP, na sigla em inglês; site osp.fad.harvard.edu). Com 60 técnicos que trabalham em conjunto com as unidades da universidade, o OSP atua em todos os momentos do ciclo de vida de um projeto, da busca de financiamento à sua preparação, da administração burocrática à prestação de contas. Desde 2007, mantém um programa de treinamento para técnicos de toda a universidade, com cursos presenciais e on-line. Um guia de boas práticas está sendo desenvolvido para ajudar todo o staff da universidade a administrar recursos para pesquisa. A ideia, observou Ashley Rodger, coordenadora de operações e treinamento do OSP, é agilizar processos e fornecer respostas para questões universais, permitindo que todos os funcionários possam ajudar na solução de problemas frequentes.

No Brasil, a complexidade da administração de projetos de pesquisa, que frequentemente envolvem equipes de várias instituições e disciplinas e trabalham com cifras vultosas, fez com que várias universidades decidissem ampliar seus serviços. A Unicamp foi pioneira ao criar em 2003 a UAP, sigla para Unidade de Apoio ao Pesquisador (www.prp.rei.unicamp.br/uap). Hoje há cinco funcionários trabalhando localmente e outros dois em unidades com demanda alta por esse serviço e que, por terem captado recursos por projetos temáticos da FAPESP, se credenciaram a contar com um funcionário para a gestão desses projetos. A Universidade de São Paulo (USP) dispunha de serviços em várias unidades, mas nos últimos dois anos a Pró-Reitoria de Pesquisa decidiu disseminar as experiências por toda a instituição e requisitou treinamento especializado à FAPESP. Da mesma forma, a Unesp, a partir de 2009, decidiu criar escritórios desse tipo em todas as suas unidades. Para a FAPESP, a existência de apoio institucional ao pesquisador vai se tornando um critério importante na avaliação de projetos de pesquisa. A existência desse tipo de serviço foi uma das condições exigidas por ela das instituições sede dos novos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), que poderão receber até R$ 4 milhões por ano da Fundação. Um canal direto por e-mail com a FAPESP foi estabelecido com todas as equipes treinadas. “É uma forma de estimulá-los a manter um diálogo permanente com a FAPESP para que tirem rapidamente dúvidas ou peçam novas orientações”, diz Marcia Regina Napoli, da GAIC.

A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP criou em 2010 uma estrutura para apoiar os pesquisadores, o Centro de Gerenciamento de Projetos (CGP), e enviou servidores para treinamento já na primeira turma do programa da FAPESP. Após o treinamento, a equipe visitou todos os 14 departamentos da FMRP para divulgar o serviço. “No estudo de viabilidade, percebeu-se a grande representatividade dos recursos de agências de fomento ante o orçamento da unidade”, diz Benedito Maciel, o diretor da FMRP. No rol dos serviços prestados incluem-se a realização de compras, a verificação da documentação e a prestação de contas. Os pesquisadores são avisados quando surgem editais que possam interessá-los. Em 2012, a FMRP submeteu 22 projetos ao edital do Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS). No edital de 2010, apenas seis projetos foram apresentados.

A resistência inicial de alguns pesquisadores começou a ser vencida graças à adoção do Sistema de Informação Gerencial Extraorçamentário, o Sigeo, que permite ao pesquisador acompanhar pela internet a administração dos recursos de seu projeto. O Sigeo controla o saldo dos recursos, arquiva cheques e notas fiscais, alerta os pesquisadores sobre prazos e a necessidade de apresentar relatórios e ainda informa quanto foi economizado, uma vez que, depois de pedir cotações para fornecedores, o centro ainda tenta negociar descontos. Dos 100 professores da FMRP, apenas 43 são atendidos pelo centro. “Priorizamos os projetos novos, porque quando tentamos ajudar na administração de projetos antigos descobrimos que teríamos de gastar muito tempo para corrigir problemas”, diz o professor Maciel. A intenção agora é dobrar de dois para quatro o número de funcionários, porque a demanda deve aumentar. Esses funcionários trabalham articulados com outros serviços da faculdade. Uma pesquisa com professores mostrou que 79% tinham projetos financiados por agências, mas só 28% obtiveram a ajuda do CGP. Segundo a mesma pesquisa, 92% disseram ter interesse em usar os serviços do CGP. A FAPESP é responsável por 78% dos recursos arrecadados em projetos administrados pelo centro.

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