PRAGA DA COCAÍNA É ALGO JÁ MUITO ANTIGO, QUE JÁ DESTRUÍA MENTES E CORPOS NO BRASIL DO INÍCIO DO SÉCULO XX
Autor – Rostand Medeiros
Recentemente tive a oportunidade de assistir a uma palestra sobre os malefícios e os problemas gerados pelo consumo de drogas e destinada aos jovens.
A palestra, muito boa por sinal, foi proferida por técnicos de uma instituição estadual de combate as drogas e ocorreu em uma escola pública, num dos bairros periféricos mais violentos da Zona Norte da capital potiguar. No local vi os alunos extremamente atentos em relação ao assunto, calados, observando tudo e fazendo perguntas bem pertinentes. Isso tudo apesar do desconforto das cadeiras e de um calor de doer o crânio.
Em dado momento, um dos alunos perguntou ao palestrante, pessoa com nível superior na área de humanas, “-A quanto tempo que existia cocaína no Brasil?”. E a resposta do palestrante foi “a cerca de 40, ou 45 anos”, como associada aos processos de inovações culturais e ao experimentalismo das drogas da década de 1960.
Bem, vamos dá o desconto do erro, da dúvida do palestrante, da formação do palestrante não ser na área de História, do calor na sala, etc.
Policial militar potiguar e um ex-traficante proferindo uma palestra para jovens na cidade de Apodi-RN. Ação que deve ser sempre incentivada. – Imagem meramente ilustrativa – Fonte – Santananoticias.blogspot.coom
Provavelmente devido à forte influência da mídia em apontar os processos de experimentalismos das drogas ocorridos na década de 1960, com muita associação a popularização do rock e suas várias vertentes, que as pessoas associam o início do consumo de cocaína no nosso país a este período recente de nossa História.
Curioso com isso tudo, comecei a perceber que as pessoas tem a falsa ideia que na época dos nosso avós e bisavós a única droga que existia era o álcool, com preferência no Brasil para a cachaça.
Isso é um engano.
Uma Droga Antiga
Na atualidade, basicamente conhecemos a cocaína como um estimulante, sendo atualmente considerada uma droga ilegal. É extraída a partir das folhas da planta da coca, vegetal da família Erythroxylaceae, cujo nome científico é Erythroxylum coca. Possui porte arbustivo, pode ficar frondosa e suas flores são amarelo-alvacentas.
Folha de Coca – Fonte – http://www.montanha.bio.br
Mas a mais de 4.000 ou 5.000 anos que a coca vem sendo utilizada como um remédio e estimulante no que hoje é a Colômbia, Peru e Bolívia. A partir do século XVI europeus descreveram a prática de povos sul americanos de mascar uma mistura de tabaco e folhas de coca.
Este hábito de mastigar as folhas de coca, o consumo tradicional da coca pelos povos andinos, possui certas características que o distinguem nitidamente do consumo da cocaína. Ao introduzir a folha de coca oralmente, suas propriedades psicoativas são absorvidos lentamente através do sistema digestivo, sem causar efeitos nocivos.
Mascar folha de coca na Bolívia é tradição cultural – Fonte –http://www.newsrondonia.com.br
Visitantes ilustres que já estiveram na Bolívia, incluindo o Papa João Paulo II e a princesa Anne, beberam chá de coca (mate de coca), pois é a maneira tradicional de se evitar a doença da altitude (hipóxia). Investigações imparciais e científicas demonstraram que o uso regular da folha de coca não é prejudicial.
No início do século XIX pesquisadores europeus que visitavam a América do Sul tiveram a sua atenção voltada para as folhas de coca e começaram a fazer experiências para descobrir os segredos da planta mágica. Foi o cientista alemão Albert Niemann, da Universidade de Gottingen, que em 1859, isolou com sucesso o alcaloide da planta de coca responsável por seu efeito estimulante. Logo um mercado global disparou em busca da nova droga, a cocaína.
Início do Uso Comercial
Em 1860, Ângelo Mariani introduziu “Vin Mariani”, um vinho tinto com a nova droga na sua composição. Mariani acumulou uma fortuna a partir desta bebida, com a venda sendo estimulada por pessoas notáveis, como a atriz Sarah Bernhardt, a rainha Vitória da Inglaterra, o inventor americano Thomas Edison e até o Papa Leão XIII.
Não demorou para que empresas farmacêuticas americanas começassem a explorar a folha de coca e em pouco tempo os Estados Unidos se tornaram o maior importador e principal mercado legal de cocaína no planeta.
Por volta de 1880 a cocaína na terra do Tio Sam era receitada livremente pelos médicos para doenças como a exaustão, depressão e estava disponível em muitos medicamentos patenteados.
Como a cocaína era amplamente disponível neste país, não é difícil de entender porque o xarope da primitiva Coca-Cola continha aproximadamente 4,5 mg/180 ml de cocaína até os primeiros anos do século XX.
John S. Pemberton
A História desta famosa bebida, por incrível que possa parecer, tem início indireto em 1879, quando a cocaína foi usada até mesmo para tratar o vício da morfina. Após o fim da Guerra Civil Americana, um veterano chamado John S. Pemberton começou a usar morfina para diminuir a dor dos seus ferimentos e ele rapidamente tornou-se viciado. Ele leu em uma revista médica que a cocaína poderia ajudar a curar o “morfinismo” e passou a produzir seu próprio tônico à base de vinho que continha cocaína. Quando o Estado da Geórgia impôs a sua própria proibição do álcool, ele começou a misturar cocaína com extrato de noz de cola e água de soda. Depois comercializou o produto e este se tornou um sucesso instantâneo. Pemberton vendeu sua fórmula a outro farmacêutico (que certamente não consumia nem morfina, nem cocaína), que fundou a Coca-Cola Company em 1892.
Uso Médico
A cocaína foi introduzida como um anestésico em 1884 pelo Dr. Karl Koller. Este era um estagiário de oftalmologia no Hospital Geral de Viena como um anestésico viável. Em um experimento público ele aplicou no seu próprio olho uma solução de cocaína e depois, para espanto da plateia, o picou com alfinetes sem problemas.
Karl Koller – Fonte – Wikipédia.com
O Dr. Koller foi o primeiro a escrever sobre as propriedades anestésicas da cocaína. Pouco depois, a cocaína fez manchetes em todo o mundo e os médicos em todo o mundo aproveitaram a droga.
A fabricação do medicamento envolve um processamento onde entram na composição um determinado número de outras substâncias químicas, formando o pó branco vulgarmente conhecido como cloridrato de cocaína. Como fármaco os efeitos da dosagem podiam variar significativamente. A cocaína foi considerada primeiramente um estimulante seguro e um ótimo tônico para os nervos.
Freud publicou em 1884 o tratado “Über Coca”, sobre a droga – Fonte – afkra.blogspot.com
Consta que nesta época Sigmund Freud, o pai da psicanalise, usou cocaína em seus pacientes, escreveu um tratado sobre o tema e tornou-se viciado através da auto experimentação. Freud era conhecido por levar cocaína para idas ao teatro, danças sociais, esportes e passeios. Ele se tornou um viciado contumaz até que finalmente parou de usar cocaína em 1886. Atormentado com câncer e dor, Freud acabou por morrer de uma overdose intencional de morfina em 1939.
Mas não demorou muito para os usuários e os médicos começassem a perceber as propriedades que causavam dependência e logo vários regulamentos limitantes ao uso foram introduzidos. Um dos primeiros, o Food and Drug Act americano (Lei Federal sobre Alimentos e Drogas), de 1906, ainda não instituía a proibição, mas regulamentava a produção e venda, inaugurando a intervenção governamental no tema.
No Nosso Brasil Tropical
Bem afirmar quando a cocaína chegou ao Brasil, eu não sei. Mas sei que ela já estava no país nos trinta anos finais do século XIX.
Cocaína vendida como bebida em Juiz de Fora – MG, na década de 1880
Encontramos em antigos jornais da década de 1880, ainda no período do Império de Dom Pedro II, a propaganda de um armazém de secos e molhados da cidade mineira de Juiz de Fora, Minas Gerais, onde na sua parte destinada a bebidas vemos o anúncio que ali se vendia cocaína aparentemente como uma bebida.
Seria uma percursora da famosa Coca-Cola, ou do “Vin Mariani”?
Além da importação como bebida, a cocaína evidentemente também aportou no Brasil como um medicamento.
Em 1890, na Rua dos Ourives, atual Rua Miguel Couto, no Centro do Rio de Janeiro, que na época era a Capital Federal, havia a “Pharmacia Central do Brazil”. Este estabelecimento comercial vendia medicamentos que eram lá mesmo preparados e, conforme a foto que segue, a mistureba de produtos medicamentosos parece mais uma receita de algum caldeirão de bruxa.
Pastilhas de cocaína vendidas no Rio em 1890
Entre os ditos medicamentos encontramos as “Pastilhas de Clorato de Potássio e Cocaína”, que serviam para as moléstias bucais e da laringe.
Interessante esta ideia de pastilhas com cocaína e clorato de potássio, pois até onde eu sei esta última substância foi um ingrediente utilizado nas antigas espoletas de armas de fogo, chamado então de “clorato de potassa” e quando misturado com outros materiais, pode gerar explosivos de forte potência.
Bom, então quem chupava as pastilhas da “Pharmacia Central do Brazil”, abria a garganta e melhorava o hálito, mas também poderia ficar doidão e explodir?
Brincadeiras à parte, esta questão da chegada cocaína no Brasil no final do século XIX e início do século XX não estava restrita apenas a região centro sul do país. A droga extraída da folha de coca também chegou ao caloroso Nordeste.
Venda de cocaína em Recife em 1900
Em um jornal pernambucano de 1900, temos na Rua Barão da Vitória, número 51, atual Rua Nova, no tradicional bairro de Santo Antônio, no centro de Recife, a antiga botica do Sr. Idelfonso de Azevedo, que vendia cocaína misturada com salsa, caroba, elixir de antipirina e esmaltina. Podendo o cliente escolher esta mistura liquida ou em pó.
Bem, mesmo sem ser farmacêutico, realizando uma rápida pesquisa, descobri algo interessante sobre este medicamento. O sumo de salsa (em dosagem dupla, como diz o anúncio) é rico em vitaminas B e C e a sua celulose ajuda o movimento intestinal. Já a planta caroba (também conhecido como caroba-do-mato, marupá, simaauba-falsa, caraúca, carabussú, caruba, curoba, marupauba e parapará) é o que podemos chamar de “um santo remédio”, pois suas propriedades medicinais são adstringente, aperiente, cicatrizante, depurativo, diurético, emético, laxante, sudorífera, tônico. As indicações da caroba são para as afecção da pele, artritismo, blenorragia, cancro, catarro crônico da bexiga e uretra, coriza, dispepsia (falta de suco digestivo ou nervosa), dor (reumática, muscular), estômago, febre, gases, inflamação (próstata, rins, garganta), insetos, mau hálito, sífilis, úlcera estomacal e até vermes.
Rua Barão de Vitória,, ou Vitória, em Recife – Fonte –http://peregrinacultural.wordpress.com/
Bem, junto a misturada de salsa e caroba vinha o elixir de Antipirina, que é uma substância medicamentosa usada como antitérmico e um sedativo utilizado para identificar o efeito de outras drogas. No meio desta mistura o Sr. Idelfonso de Azevedo acrescentava esmaltina, que é um mineral de cor cinza claro, uma combinação de cobalto e arsênico, utilizado na fabricação de esmaltes azuis.
No final de tudo isso vinha a cocaína.
Para que este medicamento (medicamento?) servia eu não sei! Mas acho que o Sr. Idelfonso de Azevedo quis fazer um tipo de produto que levantava até defunto! Ou servia para fazer defuntos?
As duas próximas propagandas são respectivamente de 1900 e 1901. Originalmente publicadas em jornais baianos e estão bem explicativas na composição e servem para se conhecer o uso medicinal da cocaína no Brasil. O interessante nestas duas propagandas é que estes remédios à base de cocaína vinham da França.
Arrancar Dente Com Cocaína Era Normal
O leitor pode perceber que a cocaína chegou no grande país tropical e simplesmente não havia restrições a sua importação, manipulação e venda. Era tudo liberado. Daí para começar o consumo no sentido alucinógeno foi um passo. Correto? Aparentemente não!
No início do século XX vemos as notícias antigas se referindo basicamente a cocaína como um produto ligado a área médica. Praticamente não se encontra uma utilização ilícita do seu uso. Se havia era algo privado, restrito a determinados ambientes (cabarés, prostíbulo, lupanares, etc.) que aparentemente não afetava o dia a dia da sociedade, não atrapalhava a vida das comunidades, principalmente nas maiores áreas urbanizadas do país.
Gabinete de uma odontóloga no final do séc. XIX, em Paris – Fonte – http://www.sciencephoto.com
Logo um outro tipo de profissional brasileiro passou a utilizar a cocaína; os dentistas. Voltando um pouco no tempo, sabemos que a cocaína foi o primeiro anestésico local introduzida por Karl Koller em 1884 e foi inicialmente utilizado em cirurgias oftalmológicas. Consta que neste mesmo ano um médico chamado R.J. Hall solicitou ao seu dentista que utiliza-se cocaína como um anestésico para tratá-lo. Na virada do século, por volta de 1903, a cocaína foi utilizado misturado com epinefrina, de modo a melhorar a sua eficácia clínica, consta que a droga era utilizada para amortecer as gengivas. Mas devido a várias mortes ligadas à combinação de cocaína e epinefrina, este foi descartado por volta de 1924. No entanto, a cocaína continuou a ser utilizada e considerada uma droga útil para anestesia tópica na região do ouvidos, nariz e garganta.
Interessante lista de preços de atendimento odontológico no início do séc. XX, A cocaína era anestésico.
Na imagem que apresentamos, temos uma propaganda do dentista Paulo (ou Paul) Kieffer, que coincidentemente atendia na mesma Rua dos Ourives, atual Rua Miguel Couto, no Centro do Rio de Janeiro, na área onde estava estabelecida a “Pharmacia Central do Brazil”. O Dr. Kieffer aplicava anestesia local com cocaína, ou “nevarnina” (talvez um sub produto), ao preço de 2$000 réis.
Morrer Com Cocaína Era Moda…
Mas observando os jornais antigos das décadas de 1900 e 1910, é claramente perceptível que havia sim o consumo de cocaína, mas aparentemente não no sentido do consumidor criar seu próprio “paraíso artificial”. Mas principalmente para se matar!
Evidentemente que eu sei que a cocaína sendo consumida ao longo de um tempo vai deixar o usuário mais parecido com um vegetal e depois vem o seu fim. Mas nos periódicos brasileiros do limiar do século XX, o que não faltam são inúmeras notícias de homens e mulheres, jovens ou velhos, ricos e principalmente os mais pobres, que utilizavam a cocaína pura, ou misturada com todo tipo de material, para simplesmente dar fim a suas vidas.
E a imprensa da época era de uma sutileza de fazer dó e piedade. Nas páginas antigas lemos que estes desesperados eram os “decaídos”, os “desgraçados”, os “transloucados” (isso quando eram pobres), que buscavam no suicídio o fim a uma vida sem perspectivas. Este tipo de notícia era um “ótimo” incentivo para quem estava em depressão.
Nos jornais antigos das décadas de 1900 e 1910 percebemos que a quantidade de suicídios chegou a um ponto tal que virou uma espécie de “moda” se matar com cocaína.
Não podemos esquecer quanto era terrível a situação das mulheres nesta época. Criadas para serem exemplares donas de casa, servir aos maridos, trabalharem pesado pelos filhos e pela casa, em uma sociedade onde trabalhar fora, ou ser separada, era uma distância mínima para ser considerada uma puta. A perda da virgindade sem houvesse a consumação do casamento, ou um filho indesejado, era um verdadeiro suplício, principalmente para as mulheres mais pobres e negras. Então não é nenhuma surpresa que o grupo majoritário de pessoas que recorriam a cocaína para dar cabo de suas vidas fossem de mulheres.
Em relação a maneira de morrer com cocaína chama atenção o fato dos antigos jornais comentarem nas notas sobre os suicidas que estes faleciam ingerindo quantidades que poucas vezes ultrapassam cinco gramas da droga. Não tenho base de conhecimento para saber se esta quantidade de cocaína na atualidade é capaz de matar uma pessoa, mas no passado era normal misturar a cocaína com outros produtos, até mesmo benzina. Era uma overdose bem explosiva.
Pelo que pude compreender não havia a figura clássica do traficante. O comércio era exercido pelos funcionários das farmácias, ou por algum um farmacêutico, certamente com a anuência e o beneplácito do proprietário.
Venda e Consumo da Cocaína no Rio de Janeiro
Em 4 de janeiro de 1913, jornalistas do periódico carioca “A Noite”, em um interessante trabalho investigativo que mostra os processos de consumo de cocaína na primeira metade da década de 1910, foi publicado que sem maiores problemas, sem exigirem uma receita médica, vários jornalistas compraram em meia hora 37 gramas de cocaína.
Consta na reportagem o preço dos frascos variou de 1$000 a 2$500 réis (um mil a dois mil e quinhentos réis). No mesmo exemplar do jornal carioca “A Noite”, encontramos o anúncio da “Cervejaria Tolle”, na Rua Riachuelo, 92, onde cada garrafa da cerveja “Bismarck Brau” custava $300 réis (trezentos réis). O nome correto da cerveja era “Bismarck Brown” e está sendo produzida initerruptamente pela empresa neozelandesa Hancock & Co., desde 1859.
Ou seja, pelo preço médio de um frasco com uma grama de cocaína, se comparava de três a cinco garrafas de cerveja importadas da Nova Zelândia (não esqueçam que quase todos os produtos industrializados vendidos no Brasil desta época eram importados). Por isso era tão fácil morrer com cocaína.
Típica farmácia, ou drogaria, nos Estados Unidos em 1905. No Brasil elas não eram muito diferentes – Fonte – Wikipédia.org
Para os jornalistas, do pessoal das farmácias que trabalhavam corretamente, só se salvavam “uns 20 %”. O resto vendia cocaína aos cariocas sem problemas.
Junto aos profissionais dos estabelecimentos farmacêuticos trabalhavam os “rápidos”, que pelo que pude compreender é atualmente o que a crônica policial denomina de “vapor”. Ou seja, a figura que no organograma do tráfico de drogas entrega o produto ao cliente. E tinha que ser entregue rapidamente, daí o nome!
A reportagem escancarou geral. Deu nome das farmácias que venderam a droga e quem não vendeu. Foi publicado os endereços dos estabelecimentos, as quantidades vendidas em cada local e, num verdadeiro escândalo, até uma criança na Rua do Estácio comprou, a pedido dos jornalistas, a droga sem nenhum problema. Em uma farmácia um atendente afirmou que vendia de setenta a cem gramas da droga por dia.
As matérias de “A Noite” era bem denunciativas, mas pareceu não ter maiores resultados. Encontrei uma nota, que deixo publicada no original, onde fica patente a atuação nefastas das farmácias, apontando que eram nestes estabelecimentos que a droga era “desovada” para os consumidores.
Ampliação e Declínio do Uso da Cocaína
Nesta História toda descobri que a repressão não era tanto pelo lado policial, mas era o pessoal da Saúde Pública quem fiscalizava os estabelecimentos farmacêuticos e a atuação dos funcionários destes locais. A polícia participava quando havia denúncia de venda e consequente morte de alguém, mas era difícil provar a participação deste pessoal neste tráfico. Quem comprava cocaína para se matar, se sobrevivesse, a vergonha era tanta que pouco interesse tinha em denunciar. Normalmente estes suicidas, como já foi dito aqui, eram das classes mais humildes da sociedade carioca e ninguém os escutava. Se morressem, enterravam e ficava por isso mesmo!
A pena maior, pelo que pude compreender, estava mais focada na aplicação de multas, que podiam chegar a 100$000 (cem mil réis). Mas parece-me que o judiciário não tinha muita gana de ver estes vendedores atrás das grades, conforme podemos ver na foto seguinte. Talvez porque tinha pessoas graúdas ganhando com a venda?
Mas tudo leva a crer que de um pseudo modismo para se alcançar a morte, logo o consumo de cocaína no Rio de Janeiro passou a ser algo que deixou os ambientes privados e passou a chamar atenção do dia a dia da sociedade carioca.
Provavelmente como um resultado paralelo da investigação jornalística de “A Noite” contra o consumo de cocaína, são publicadas algumas cartas denunciando o uso de cocaína em locais públicos. No dia 12 de abril de 1913, “A Noite” trouxe na sua segunda página o relato enviado por carta, de um leitor que apontava a condição de mulheres viciados em cocaína, que se prostituíam pela droga nas praças do centro do Rio de Janeiro, de como estas mulheres eram aliciadas e como se encontravam em franca decadência física e moral devido a droga e a prostituição.
Uma carta denúncia de 1913, incomodamente atual
Concluía o leitor pedindo aos jornalistas de “A Noite” que realizassem um trabalho investigativo.
Estranhamente, mesmo depois de 100 exatos anos, o relato desta denúncia é bastante similar ao que ocorre atualmente com as jovens que se prostituem para consumir cocaína e o seu nefasto “filhote”, o crack.
Percebemos através da leitura dos jornais antigos que entre as décadas de 1910 e 1920 passou a existir uma maior preocupação, um maior debate, até mesmo uma maior repressão a compra e venda de cocaína no Brasil.
No início da década de 1920 o consumo de cocaína começou a diminuir no Brasil. Mas não foi por campanhas governamentais, ou pelo endurecimento da repressão e combate ao consumo da droga. A farra diminuiu porque simplesmente o produto foi escasseando no mercado externo.
Para os pesquisadores do tema os fatores deste declínio estavam no surgimento de leis restritivas e punitivas que baniram a cocaína e a heroína do mercado livre em vários países, principalmente nos Estados Unidos. Maior controle da importação e exportação desta droga, perseguição aos médicos que prescreviam tais substâncias indiscriminadamente, além do surgimento, na Europa, de medidas socioeducativas e de saúde pública, visando à prevenção e ao tratamento desses pacientes. O próprio advento da depressão econômica, com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, deixou o mundo com menos dinheiro para gastos supérfluos. E por fim, o surgimento das anfetaminas em 1932, como um novo e potente estimulante de longa duração.
Mas aparentemente estas situações não significaram o fim total da vinda e consumo da cocaína no Brasil antes da Segunda Guerra Mundial. Tanto assim que o popular cantor Francisco Alves intitulou a sua música para o carnaval de 1937 como “Cocaína”.
Olha, se a música foi lançada eu não sei! Mas só em intitular desta maneira uma música de carnaval é algo que chama atenção.
Não Baixem a Guarda, esta Epidemia Está Aí e Não vai Acabar tão Cedo
Sabemos que foi ao longo do século XX que os Estados Unidos assumiram a dianteira da cruzada antidrogas, impondo aos demais países na Europa e na América convenções que dariam origem à chamada guerra às drogas. Mas foi a convenção internacional realizada pela Organização das Nações Unidas em 1961, que se estabeleceu as regras que pautariam as políticas sobre drogas em vários países. O critério era proibir drogas que não tinha uso médico. As substâncias que não foram consideradas como de uso médico passaram, a partir de então, a ter seu uso proibido ou submetido a controle. A chamada “guerra às drogas” foi declarada pelo então presidente dos Estados Unidos em 1972, fortalecendo assim a deflagração explícita de combate ao tráfico, com operações internacionais de alcance cada vez maior.
Combate a fabricação e tráfico de cocaína
Na virada dos anos de 1960 para os 70, a cocaína voltou à cena como estimulante em um mercado de trabalho cada vez mais frenético. A economia do tráfico, então, assumiu um novo circuito. Tradicionais regiões de plantação de coca na Bolívia e Peru aumentaram sua produção para o mercado ilícito; a pasta produzida era repassada a vendedores colombianos, que a transformavam a folha na droga, encaminhada aos centros consumidores nos Estados Unidos, Europa e América Latina. Países como o Brasil serviam apenas de entreposto logístico da droga e eram centros de consumo de menor importância. Mas com o crescimento econômico brasileiro, o país já não mais despontava apenas como um corredor para o tráfico internacional de drogas, mas como um grande mercado consumidor.
Os jovens com poucas oportunidades foram atraídos pelo poder e dinheiro de ser traficantes de cocaína, crack, armas e muitos foram assassinados em guerras de gangues de drogas que se seguiram e que conhecemos bem.
Amigos, quer vocês queiram, ou não, as drogas como a cocaína, crack, heroína, anfetaminas, maconha, lança perfume, álcool e outras desgraças estão nas ruas, nas portas das escolas, nas casas de espetáculo, na porta da sua casa, nos locais de trabalho e por aí vai. Não conheço outra maneira de livrar nossos filhos deste problema do que sendo seus maiores amigos, confidentes, tendo tempo para estar ao lado deles e conhecendo o que são estas drogas através de leituras e outras formas de informação.
Não baixem a guarda, esta epidemia está nas ruas e não vai acabar tão cedo.
A História assim mostra.
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