sábado, 28 de setembro de 2013

Depressão na Pós-Graduação e Pós-Doutorado, artigo de Sergio Arthuro

JC e-mail 4618, de 06 de Novembro de 2012.


Sergio Arthuro é médico, doutor em Psicobiologia e divulgador científico. Artigo enviado ao JC Email pelo autor.

A imagem de nós cientistas no senso comum, como estereotipada por Einstein, é que somos meio loucos. De fato, como revelado recentemente pela revista Nature, parece que realmente não temos uma boa saúde mental, dada a alta ocorrência de depressão entre pós-graduandos e pós-doutorandos.

Os pós-graduandos são os estudantes de mestrado e de doutorado, enquanto os pós-doutorandos são os recém doutores em aperfeiçoamento, que ainda não conseguiram um emprego estável. Os pós-doutorandos são comuns há muito tempo nos laboratórios da Europa e dos Estados Unidos, já no Brasil este é um fenômeno recente.

Segundo o texto, boa parte dos estudantes de pós-graduação que desenvolvem depressão foram ótimos estudantes na graduação. Lauren, doutoranda em química na Universidade do Reino Unido, começou com dificuldade em focar nas atividades acadêmicas, evoluiu com medo de apresentar a própria pesquisa, e terminou sem nem mesmo conseguir sair da cama. Felizmente, Lauren buscou ajuda e agora está terminando o seu doutorado, tendo seu caso relatado no site de ajuda Students Against Depression, cujo objetivo é “desenvolver a consciência de que a depressão não é uma falha pessoal ou uma fraqueza, mas sim uma condição séria que requer tratamento”, segundo a psicóloga Denise Meyer, que ajudou no desenvolvimento do site.

Para os cientistas em início de carreira, a competição no meio acadêmico pode levar a isolamento, ansiedade e insônia, que podem gerar depressão. Esta pode ser acentuada se o estudante de pós-graduação tiver problemas extracurriculares e/ou com seu orientador. Já que a depressão altera significativamente a capacidade de fazer julgamento racional, o deprimido perde a capacidade de se reconhecer como tal. Aqui, na minha opinião, o orientador tem um papel fundamental, mas que na prática não tenho observado muito: não se preocupar apenas com os resultados dos experimentos, mas também com a pessoa do estudante.

De acordo com o texto, os principais sinais de depressão são: a) inabilidade de assistir as aulas e/ou fazer pesquisa, b) dificuldade de concentração, c) diminuição da motivação, d) aumento da irritabilidade, e) mudança no apetite, f) dificuldades de interação social, g) problemas no sono, como dificuldade para dormir, insônia ou sono não restaurativo (a pessoa dorme muito, mas acorda cansada e tem sono durante o dia).

Segundo o texto, a maioria das universidades não tem um serviço que possa ajudar os estudantes de pós-graduação. Não obstante, formas alternativas se mostraram relativamente eficazes. Por exemplo, mestrandos e doutorandos poderiam procurar ajuda em serviços oferecidos a alunos de graduação; já os pós-doutorandos poderiam tentar ajuda em serviços oferecidos a professores, sugerem os autores do texto. A maioria dos tratamentos requer apenas uma sessão em que são discutidas as dificuldades dos estudantes, além de sugestões de como manejar melhor a depressão. Uma das principais preocupações é com relação à confidencialidade, que deve ser quebrada apenas se o profissional sentir que o paciente tem chance iminente de ferir a si ou a outrem. Segundo Sharon Milgram, diretora do setor de treinamento e educação do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, “buscar ajuda é um sinal de força, e não de fraqueza”.

Devo admitir que o texto chamou minha atenção por me identificar com o tema, tanto na minha própria experiência, quanto na de vários colegas de pós-graduação que também enfrentaram problemas semelhantes. Acho que o sistema atual de pós-graduação tem falhas que podem aumentar os casos de depressão, como as descritas a seguir:

1- O próprio nome “Defesa” no caso do doutorado

Tem coisa mais agressiva que isso? Defesa pressupõe ataque, é isso mesmo que queremos? Algumas pessoas vão dizer que os ataques são às ideias e não às pessoas. Acho que isso acontece apenas no mundo ideal, porque na prática o limite entre as ideias e as pessoas que tiveram as ideias é muito tênue. Mas pior é nos países de língua espanhola, pois lá a banca é chamada de “tribunal”.

2- Avaliações pouco frequentes

Em vários casos, principalmente no começo do projeto, as avaliações são pouco frequentes, o que faz com que o desespero fique todo para o final. No meu caso, os últimos meses antes da “Defesa” foram os piores da minha vida, pois tive bastante insônia, vontade de desistir de tudo etc. Pior também foi ouvir das pessoas que poderiam me ajudar que aquilo era “normal” e que “fazia parte do processo”… Isso não aconteceu apenas comigo, mas com vários colegas de pós-graduação. Acho que para fazer ciência bem feita, como todo trabalho, tem que ser prazeroso, e acredito que avaliações mais frequentes podem evitar o estresse ao final do trabalho.

3 – Prazos pouco flexíveis

Cada vez mais me é claro que a ciência não é linear, e previsões geralmente são equivocadas. Dessa forma, acredito que não deveria haver nem mestrado nem doutorado com prazo fixo. O pós-graduando deveria ter bolsa por cinco anos para desenvolver sua pesquisa, e a cada ano elaboraria um relatório sobre suas atividades e resultados. Uma comissão deveria julgar esse relatório para ver se o estudante merece continuar. Como cada caso é um caso, em alguns casos, dois anos já seriam suficientes para ter um resultado que possa ser publicado num jornal científico de reputação. Isso daria ao cientista a possibilidade de bolsa por mais cinco anos, por exemplo, para ele continuar sua pesquisa. Em outros casos, cinco anos de trabalho não é suficiente, o que pode ser por causa da própria complexidade da pesquisa, ou outros motivos como atraso na importação de material etc. Nesse caso, acho que o estudante deveria ter pelo menos mais três anos de tolerância para poder concluir sua pesquisa, caso os relatórios anuais sejam aprovados, e o estudante comprove que não é por sua culpa que a pesquisa está demorando mais que o previsto.

Senti falta no texto uma discussão com relação ao fato de que para os futuros cientistas que ainda não tem um emprego definitivo, a ausência de estabilidade financeira é também um fator que contribui para o estado de humor dessa classe tão específica e especial de seres humanos.

Sugestão de Leitura:

Gewin, V. (2012) Under a cloud: Depression is rife among graduate students and postdocs. Universities are working to get them the help they need. Nature 490, 299-301

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