sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Para ambientalistas, fim da moratória da soja abre caminho para desmatamento

17/02/2014

Criada em 2006, moratória boicotava o comércio do grão produzido em regiões desmatadas na Amazônia. Pacto entre produtores, ONGs ambientais e governo deve terminar definitivamente no final de 2014.

Sua farinha é fonte de alimento para animais no mundo inteiro. Seu óleo abastece tanques na Europa e Estados Unidos. Seu rendimento reforça o orçamento estatal e financia programas sociais. O supergrão soja está diretamente relacionado à ascensão do Brasil como potência agrária mundial.

Mas, com o fim da moratória da soja previsto para o final deste ano, no futuro próximo, a soja pode se tornar sinônimo do avanço do desmatamento na Amazônia. Ambientalistas temem que a decisão contribua para acelerar o desflorestamento na região.

“O fim da moratória irá levar a novos desmatamentos, porque haverá menos controle. A soja é a grande financiadora da economia brasileira”, constatou Paulo Adário, do Greenpeace Brasil, em entrevista à DW.

A moratória da soja, implementada em 2006, foi o primeiro acordo firmado no país entre organizações ambientais, como Greenpeace e WWF, governo e a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), da qual fazem parte grandes empresas como Cargill, Bunge, Archer Daniels Midland (ADM), Louis Dreyfus Commodities e o Grupo Maggi.

A grande contribuição – e o pilar central – do pacto foi a proibição da comercialização de soja originária de áreas desmatadas na Amazônia. Desde que entrou em vigor até 2012, o desmatamento na região caiu de 14.286 km2 para um recorde histórico de 4.571 km2, segundo o governo brasileiro. Porém, em 2013, a destruição aumentou: ao todo, 5.843 km2 de floresta foram queimados.

Até mesmo Carlo Lovatelli, presidente da Abiove, parece lamentar o fim do acordo. “Foi a primeira vez que ambientalistas e indústrias se reuniram e criaram um projeto juntos. Isso foi uma boa coisa”, afirmou Lovatelli, também em entrevista à DW Brasil.

Segundo ele, a incitativa surgiu devido às exigências dos clientes europeus que desejavam ter a certeza de que a produção de soja no Brasil não estava contribuindo para o desmatamento.

Exportação para a China

Porém, oito anos depois do início do boicote, o Brasil exporta mais soja para a China do que para a Europa. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a exportação para esse país cresceu de 22 milhões de toneladas para 32 milhões de toneladas entre 2012 e 2013. Enquanto isso, as vendas para a Europa caíram de 5,4 milhões de toneladas para 5,1 milhões de toneladas.

“A moratória foi direcionada pelos interesses europeus. Para os chineses, a proteção da floresta amazônica não é um tema. Eles querem soja e não perguntam de onde vem”, afirma Adário.

Para o ambientalista, os produtores, que teriam pressionado a Abiove, são os responsáveis pelo fim da moratória e não a indústria. “A argumentação foi a seguinte: ‘a moratória vai muito além das exigências legais, por isso não é mais preciso segui-la’”, opina Adário.

Com a aprovação do Código Florestal pelo Congresso em 2012, os fazendeiros podem desmatar uma área correspondente a 20% do tamanho de sua propriedade. Os outros 80% devem permanecer intactos. Ambientalistas criticam a legislação, dizendo que se trata de uma legalização do desmatamento.

Mas Lovatelli, da Abiove, defende o novo código. “O grande mérito da moratória foi sua contribuição para que o Brasil tenha agora uma legislação moderna. Em 2006 [quando foi criada a moratória] ela ainda não existia”, disse, acrescentando que somente uma lei cria as bases para a segurança legal e o controle do desmatamento – e não uma moratória com tempo de validade limitado.

Amazônia ameaçada

A grande questão que permanece em aberto com o fim da moratória é se essa decisão irá contribuir para o desmatamento. Apenas 2,4 milhões dos 28 milhões de hectares que servem de área para as plantações de soja estão localizados na região amazônica. A plantação do grão está mais concentrada nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Bahia. E o bioma mais afetado por essa cultura é o cerrado.

O ex-diretor da Fundação Heinrich Böll no Brasil, Thomas Fatheuer, disse à DW Brasil não ter ilusões. “Eu acredito que a Amazônia se tornará cada vez mais um campo de conflito no curto prazo”, opinou. Para Fatheuer, a busca por recursos minerais, a construção de estradas, portos e barragens preparam um novo impulso desenvolvimentista no Brasil. “Assim que se elaboram estratégias de desenvolvimento, as questões ambientais ficam em segundo plano”, diz.

Até o fechamento desta edição, o Ministério do Meio Ambiente não quis comentar os últimos acontecimentos e também não respondeu às perguntas sobre a moratória. No seu programa oficial, o governo se comprometeu reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia até 2020.

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