quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

No extremo sul da cidade de SP, agricultores apostam nos orgânicos

28/02/2013 

Capital paulista tem, há 1 ano, primeiros produtores orgânicos certificados. Grupo é de Parelheiros, área de proteção ambiental, e vende em feiras.

Gabriela Gasparin Do G1, em São Paulo

Há cerca de um ano, oito agricultores familiares da capital paulista foram certificados como produtores orgânicos pelo Ministério da Agricultura. São os primeiros entre os cerca de 400 trabalhadores agrícolas cadastrados na prefeitura do município de São Paulo. O grupo planta no extremo sul da maior cidade brasileira, região com reserva de Mata Atlântica, cercada pelas represas Billings e Guarapiranga e que concentra áreas de proteção ambiental.

Desde que receberam o “selo”, os pequenos produtores rurais lutam para atrair o consumidor paulistano aos benefícios proporcionados por um alimento cultivado sem o uso de venenos – processo que dá mais trabalho, leva mais tempo e resulta em um produto, no mínimo, 30% mais caro e nem sempre tão “bonito” quanto um cultivado com agrotóxicos ou adubos químicos.

“No município de São Paulo, nós somos os primeiros e únicos produtores orgânicos certificados. Se vieram outros depois de nós, nunca ouvimos falar (…). Imagina que existe uma mata fechada, que a gente tem que atravessar. O nosso grupo está com um facão abrindo as picadas”, afirma Maria José Kunikawa, a Tomi, de 57 anos.

O Ministério da Agricultura confirmou ao G1 que o grupo é o primeiro certificado na cidade. A certificação saiu em novembro de 2011. Dos oito produtores, um desistiu do cultivo, restando apenas sete.

Para escoar a produção, a forma encontrada pelos agricultores é a venda direta em feiras de alimentos orgânicos e agricultura limpa espalhadas pela capital – a última delas foi inaugurada em novembro, próximo ao Parque do Ibirapuera, em parceria com associações e a Prefeitura. O grupo afirma, contudo, que o comércio precisa aumentar para garantir significativa melhora na renda.

Os agricultores Tomi cultiva feijão, milho, mandioca, batata doce e ervilha, entre outros, em uma área pequena, de 4 mil metros quadrados, na Ilha do Bororé, às margens da represa Billings, na divisa com São Bernardo do Campo. No ano passado, começou a plantar cambuci, fruta típica da região, visando turistas que, em trilhas e passeios, conhecem as belezas naturais da ilha.

Ela é exceção entre os sete certificados, pois não tem a agricultura como única fonte de renda – cerca de 70% do ganho de sua família vem do aluguel do sítio para festas e eventos. Os demais, contudo, dependem da produção para sobreviver.

O mais experiente deles é Zundi Murakami, de 72 anos, o Zundi da banana, que planta a fruta tropical em cinco hectares em Parelheiros. Há também Osvaldo Ochi, o seu Osvaldo do caqui, de 66 anos, que herdou os conhecimentos agrícolas do pai e sempre viveu da agricultura. Ele tem 4 mil pés de caqui (tem tratado só 1,5 mil) em uma propriedade próxima ao Parque Estadual da Serra do Mar, na divisa com o município de Itanhaém.

Somam-se ao grupo Ana Zilda Coutinho, a Ana do Mel, de 50 anos, que planta frutas, ervas e hortaliças – Especialista em abelhas, ela produz ainda mel por tradição familiar, para consumo interno; José Luis da Silva, o Zé da Floresta, de 68 anos, que planta frutas, café e palmito; além de Mauri da Silva, de 38, que cultiva principalmente hortaliças; e o mineiro José Geraldo Santiago, o Zé da Cana, que planta frutas, hortaliças e a cana, com o sonho de um dia montar seu próprio alambique.

Todos afirmam que buscaram a agricultura orgânica com um desejo comum: eliminar o uso de venenos, agrotóxicos e adubo químico para o bem de todos, preservando a natureza e a saúde tanto de quem planta como dos consumidores.

“Eu acho que deve visar o dinheiro, mas em primeiro lugar, vem a saúde. A gente está em paz com a nossa consciência, de que está produzindo um alimento saudável. O resto é consequência. Você começa a fazer uma coisa boa, as pessoas comem, percebem que faz bem. Ela vai voltar para vir buscar. Então, vai vir dinheiro, né?”, diz Tomi.

Mauri e o mineiro Zé da Cana, que trabalham na roça desde os 7 anos, garantem que já sofreram muito com o uso de agrotóxicos. “Entrei na agricultura com 7, 8 anos, ajudando meu avô. Ele mexia com mandioquinha, abóbora. Com 12 para 13 anos fui trabalhar com um [agricultor] convencional, trabalhava com pimentão (…). Ele [ia na frente] todo equipado e eu lá, tomando aquele banho de veneno na cara”, revela Mauri. “A convencional era agrotóxico, adubo químico, era o maior problema (…). Aí eu pensei, vou fazer uma coisa para o meu próprio bem, que é minha saúde, e para o bem do consumidor”, salienta Zé.

Certificação 

Para conseguir a certificação, os sete receberam orientação da Associação Biodinâmica, que é cadastrada no Ministério da Agricultura. A forma de produção biodinâmica, além de não utilizar adubos químicos, venenos, herbicidas, sementes transgênicas, antibióticos ou hormônios, procura a “harmonia” do cultivo. Trabalha também com o ciclo cósmico e usa preparados homeopáticos feitos de minerais, esterco bovino e plantas medicinais. Para o selo, os agricultores pagam uma taxa que, no caso desse grupo, gira em torno de R$ 250 a R$ 350 anuais, de acordo com o tamanho e tipo de produção.

“O projeto de Parelheiros se iniciou há cerca de 3 anos e a certificação só chegou há um ano. As mudanças são muitas, com várias quebras de paradigmas. É necessário ter uma visão do todo, para entender as partes. Só compreendendo e respeitando os ciclos da natureza é que se consegue fazer agricultura biodinâmica. Eles passam trabalhar as propriedades como se elas fossem organismos vivos agrícolas”, explica Rachel Vaz Soraggi, presidente da associação.

“A gente é orgânico, mas é diferente. A gente não visa só o lucro, visa o próximo, quem vai comer o produto, tem a visão social por traz”, comenta a produtora Ana.

Os produtores explicam, contudo, que a agricultura orgânica é mais trabalhosa, por isso os produtos são mais caros. Sem venenos, nasce mais mato para ser retirado da terra. Além disso, é preciso plantar em consórcio (com um cultivo diferente do lado do outro), para os nutrientes de uma planta ajudarem a outra. O ciclo de crescimento também é cerca de 15 dias mais demorado.

Renda 

O aumento da renda, contudo, o grupo ainda não viu chegar da forma pretendida. Isso porque há poucos meios de escoar a produção – a concorrência com a agricultura convencional torna inviável levar os produtos a locais tradicionais, como a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp).

A melhor forma encontrada é a venda nas feiras orgânicas nas áreas urbanas. Por conta da distância (cerca de 50 km do centro), parte do grupo produz e outra parte, além do cultivo, leva os alimentos para serem comercializados.

Como os consumidores, a maioria deles, não podem vir ver a plantação, o selo é uma garantia, quer dizer que o nosso produto é orgânico e não tem veneno nenhum” Maria José Kunikawa, agricultora

Ana do Mel e Zundi, por exemplo, são os que mais frequentam as feiras. “Na minha barraca não tem só o que eu planto, mesmo porque o que eu produzo é pouco. Levo produtos da Tomi, do Zé da Cana”, explica Ana.

A agricultora tem, inclusive, uma máquina para fazer caldo de cana e vender a bebida orgânica na feira. Um copo de 200 ml sai por R$ 3. O maço de alface, a R$ 2. A banana prata, a R$ 4 o quilo. A nanica, a R$ 3. A bandeja de tomate orgânico custa R$ 5 e os quilos da batata e da mandioca custam R$ 5 e R$ 4, respectivamente.

E é justamente na hora de comercializar que o grupo enxerga a importância do certificado. “Como os consumidores, a maioria deles, não podem vir ver a plantação, o selo é uma garantia, que dizer que o nosso produto é orgânico e não tem veneno nenhum (…). Nós certificamos porque quem quer o selo é o consumidor. O governo exige que a gente mostre o selo para o consumidor”, diz Tomi.

Incentivo 

Em parte, a certificação do grupo é resultado de um trabalho realizado na região pelos governos municipal e estadual.

Em 2010, a prefeitura de São Paulo lançou o programa Agricultura Limpa, que visa preservar a mata nativa e apoiar os agricultores no cultivo mais limpo. Como não tem poder para dar a certificação orgânica (o que é feito pelo Ministério da Agricultura), o município criou um protocolo de boas práticas agrícolas. O documento, construído em parceria com o governo estadual, dita regras para produção sem geração de danos ao meio ambiente. Esse tipo de agricultura é a melhor que se pode ter na zona sul. 

Os venenos infiltram na terra e vão para a água. Dessa forma, gasta-se mais para purificar a água para as pessoas beberem”
Arpad Spalding, coordenador de projetos do Instituto Kairós.

Os produtores que aderem recebem o selo “Garça Vermelha”, que indica que seguem as boas práticas agroambientais. Não é a certificação, mas é o caminho para uma agricultura mais sustentável na região. Na zona sul, 37 propriedades agrícolas já aderiram ao protocolo, diz a prefeitura.

Associações ambientais também trabalham na zona rural em parceria com a prefeitura para dar apoio aos agricultores. Um deles é o Instituto Kairós que, em um dos projetos, ajudou a pensar formas de comercializar os produtos.

Diante do trabalho, nasceu a feira perto do Parque do Ibirapuera, inaugurada em novembro do ano passado e uma das fontes de renda dos sete agricultores certificados. “Foi criada, no começo do ano passado, a feira no Parque Burle Marx. A partir da criação dessa feira (…), surgiu a possibilidade de levar a feira ao parque do Ibirapuera”, explica Arpad Spalding, coordenador de projetos do Kairós.

A feira conta com 33 barracas que representam cerca de 300 agricultores (entre eles os 7 certificados da capital), diz Spalding. Há agricultores orgânicos de outros municípios e estados, além daqueles que não são certificados, mas possuem o selo de boas práticas da prefeitura.

“Ainda não contabilizamos quanto a feira movimenta. Tem agricultor que vende R$ 600, tem alguns que vendem R$ 2 mil. Cada barraca tem sua organização”, explica Spalding.

Além dessas feiras realizadas em parceria com a prefeitura, os sete agricultores também comercializam em outras duas feiras de produtos orgânicos na cidade, uma promovida pela Associação Biodinâmica, no Alto da Boa Vista, e uma da Associação de Agricultura Orgânica (AAO), no Parque da Água Branca, na Barra Funda.

Feira no Modelódromo do Ibirapuera é vista por agricultores como importante fonte de vendas

Abrindo caminhos 

Apesar das dificuldades, os primeiros produtores orgânicos da capital acreditam que enfrentam uma fase inicial, mas estão abrindo caminho para uma nova tendência de mercado em São Paulo. Entre as formas de aumentar as vendas previstas está fornecer para supermercados e escolas.

“Antes, não havia as exigências em cima das leis, agora que veio a preocupação com as águas, outros começaram a ficar mais atentos. Dizem que, no futuro, não vai ser permitido agricultura em São Paulo que não seja a orgânica”, prevê Mauri.

Spalding, do Kairós, diz que a preservação da região é importante para a sustabilidade local. “Esse tipo de agricultura é a melhor que se pode ter na zona sul. Os venenos infiltram na terra e vão para a água. Dessa forma, gasta-se mais para purificar a água para as pessoas beberem”, explica.

“A gente está mostrando que se pode conservar, preservar, cuidar e viver bem. A gente vive melhor, a gente é mais feliz hoje”, afirma. “É difícil, né, mas eu acho que é apenas o primeiro ano. A gente tem que visar pensando em três ou quatro anos”, avalia Tomi.

Na feira, consumidores mostram que há mercado para o produto. “Antes, eu comprava [produtos orgânicos] no supermercado, mas é caríssimo. Agora, todo sábado eu venho aqui na feira [do Ibirapuera]“, diz a empresária Helena Tinoco, de 44 anos. A cozinheira Bia Goll, de 37 anos, também aprova. “Eu sempre uso produtos orgânicos. É bom poque a gente come um produto que não está degradrando o meio ambiente (…). Agora é bom que está com um preço mais legal.”

Cooperativa 

De forma a melhorar a comercialização, o grupo faz parte da Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa de São Paulo (Cooperapas), com outros agricultores da região. Eles enxergam a união como uma forma de agregar esforços.

Mauri explica que já há outros agricultores interessados na certificação. “O grupo está para aumentar, tem um curso que está acontecendo (…) Vamos selecionar alguns que querem se juntar com a gente e trazer para o nosso meio”, explica. “A gente aposta muito na cooperativa. Há um projeto de a cooperativa ajudar a gente com transporte, com motorista na feira, estamos colocando toda a nossa ficha na feira”, complementa.

Para o produtor, a luta está apenas no começo, mas deve gerar resultados no futuro. “Somos sete agricultores em uma luta grande, valente. A gente correu muito para inaugurar a feira, largar aqui [a produção convencional] para aprender a fazer orgânicos. Dedicar tempo, gasolina, esforço, para isso estar acontecendo hoje (…). Eu não dou mais um ou dois anos para esses convencionais se converterem a orgânicos. Uma que o consumidor não quer mais [ingerir agrotóxicos] (…). A agricultura tem que ser revista hoje, é muito sério”, opina Mauri.

Feiras orgânicas e de agricultura limpa na capital paulista:

Ibirapuera
Sábado, das 7h às 13h Modelódromo do Ibirapuera, na Rua Curitiba, 292, Vila Mariana

Parque Burle Marx
Sábados, das 7h às 13h Acesso do estacionamento pela Marginal Pinheiros (sentido Interlagos) com a Avenida Dona Helena Pereira de Morais, Panamby, Morumbi

Parque do Carmo
Sábados, das 7h às 13h. Av. Afonso de Sampaio e Souza, 951, Itaquera

Feira da Associação Biodinâmica
Quintas-feiras, das 7h às 13h Alto da Boa Vista, na Rua São Benedito, entre Rua Américo Brasiliense e a Rua Alexandre Dumas

Feira da Associação de Agricultura Orgânica (AAO)
Toda terça-feira, sábado e domingo, das 7h às 12h Parque da Água Branca, na Avenida Francisco Matarazzo, 455, Barra Funda
http://www.gvces.com.br/index.php?r=noticias%2Fview&id=256904

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