Há muitas espécies relatadas na literatura em função da sua ação psicotrópica. Uma delas, a jurema, é bem destacada no livro Iracema de José de Alencar.
Martinez et al. (2009) relatam sobre a espécie:
O vinho de Jurema é obtido a partir das cascas e raízes da árvore de jurema preta (Mimosa hostilis). Esta espécie rica em N,N-dimetiltriptamina (DMT, 13) pertence à família Leguminosae. A Jurema pode ser consumida através da ingestão da bebida ou do ato de fumar o cachimbo. A bebida é preparada pelos indígenas por maceração das raízes em água e o material do cachimbo com as raízes e folhas secas da espécie vegetal.
Em diversas obras literárias envolvendo personagens indígenas o uso de Jurema é descrito, como na obra Iracema, de José de Alencar.
“Guerreiro branco, Iracema é filha do Pajé e guarda o segredo da Jurema. O guerreiro que possuísse a virgem de Tupã morreria (p.109)”.
“A virgem de Tupã guarda os sonhos da Jurema que são doces e saborosos! (p.141)”.
Nesta obra, a virgem é detentora do segredo de Jurema, planta do saber secreto xamânico que é servida como libação onírica aos guerreiros tabajaras.
Ao se apaixonar pelo guerreiro português Martim, Iracema trai o segredo de Jurema entregando para um branco o “licor de Tupã” e a “flor de seu corpo”. A índia foge para uma aldeia rival junto com seu amado durante uma cerimônia de Jurema em sua tribo, na qual seria responsável, com o pajé, seu pai, pela distribuição da bebida sagrada. Ao final de sua trajetória Iracema vê sua tribo dizimada pela tribo aliada dos portugueses, mas segue seu esposo e gera um mestiço em seu ventre.
O uso da Jurema sofreu muitas modificações e diminuiu gradativamente com o passar do tempo. Este ritual é exclusivamente brasileiro, especificamente pernambucano, sendo realizado pela comunidade indígena Atikum-Umã que vive na serra de Umã no interior do estado.
A Jurema também é usada em rituais afro-brasileiros, no catimbó e pajelanças juntamente com o fumo e o maracá, para abençoar, aconselhar e curar. Este fato deve-se ao contato entre negros e índios.
O preparo da bebida e as cerimônias são secretas, e a ingestão da Jurema permite ao pajé entrar em contato com seus espíritos ancestrais. Na Umbanda, Jurema é dona das ervas mágicas. Estudos recentes demonstram que o preparo da Jurema em casas de culto de São Paulo e da Bahia difere do preparo indígena. Em uma casa de culto de Umbanda em São Paulo, a bebida é preparada a partir das folhas, da casca do caule e das raízes, adicionando-se mel, guaraná e cachaça. Em seguida é guardada por uns dias até ser consumida. Em uma casa de culto de candomblé de caboclo de São Paulo, a bebida é preparada a partir das folhas e cascas do caule adicionando-se mel, água e vinho licoroso. Nos candomblés da Bahia, a Jurema é obtida a partir das cascas do caule e das raízes adicionando-se mel, vinho tinto e dandá (aditivo psicoativo representado por espécies do gênero Cyperus spp.). As cascas são maceradas e colocadas em infusão numa vasilha com água, em seguida mistura-se mel, vinho tinto e sangue do animal sacrificado no ritual da matança.
Outro relato do uso popular de Jurema é o “Reino Encantado”, criado em 1836 em Pedra Bonita no sertão de Pernambuco, por João Antônio. Após ter visões do rei português D. Sebastião, morto na África, na luta contra os mouros em 1578, e achar dois diamantes, João Antônio fundou o “Reino Encantado” ou “Reino das Pedras”. Muitos adeptos o seguiram. Seu reinado foi de paz e vivia com a promessa de que não existiriam mais pobres. Seu sucessor, João Ferreira, distribuía, em certos dias, uma bebida, o vinho encantado, uma mistura de Jurema e manacá. Após o consumo do vinho encantado começava uma orgia. O manacá é uma solanácea, Brunfelsia hopeana e Brunfelsia latifolia, conhecida também por jeratacá, cangambá, caágambá, managá, mercúrio vegetal e erataca. Da Brunfelsia hopeana foram isolados os alcaloides hopeanina, brunfelsina e manacina. Sendo desconhecidas as estruturas dos alcaloides brunfelsina e manacina.
Nas pregações dominicais, João Ferreira insistia para que o povo regasse com sangue as pedras encantadas, pois somente desta maneira ressuscitariam o reino de D. Sebastião, e todos se tornariam ricos. Os negros se tornariam brancos e os velhos se tornariam jovens novamente. Certo dia, após a ingestão do vinho de Jurema, João Ferreira teve visões de D. Sebastião e informou a seus seguidores que o rei estava triste com a falta de sacrifícios do povo para a restauração de seu reino. Isto levou ao auto-sacrifício do grupo em 1838.
A ingestão da Jurema provoca diversos efeitos, entre eles: alterações de humor com euforia e depressão, ansiedade, distorção de percepção de tempo, espaço, forma e cores, alucinações visuais, algumas vezes bastante elaboradas e do tipo onírico, ideias delirantes de grandeza ou de perseguição, despersonalização, midríase, hipertemia e aumento da pressão arterial.24 Os efeitos causados devem-se à presença da dimetiltriptamina, um alucinógeno capaz de produzir alterações de sensopercepção. Essa bebida é utilizada em rituais religiosos por vários grupos por proporcionar experiências místicas e visões extáticas.
Referência:
MARTINEZ, Sabrina T.; ALMEIDA, Márcia R. and PINTO, Angelo C.. Alucinógenos naturais: um voo da Europa Medieval ao Brasil. Quím. Nova [online]. 2009, vol.32, n.9, pp. 2501-2507. ISSN 0100-4042.
Mais um texto interessante sobre jurema
SOUZA, Rafael Sampaio Octaviano de; ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino de;MONTEIRO, Júlio Marcelino and AMORIM, Elba Lúcia Cavalcanti de. Jurema-Preta (Mimosa tenuiflora [Willd.] Poir.): a review of its traditional use, phytochemistry and pharmacology. Braz. arch. biol. technol. [online]. 2008, vol.51, n.5, pp. 937-947.
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