Em 1910 a malha ferroviária da Alemanha já se estendia por todo o país e isso facilitou o acesso de pessoas de uma determinada região, a produtos de outras. Tal fato passou a influenciar também a agricultura e assim, fábricas de Hamburgo compravam cereais de outras cidades, produziam rações para animais e vendiam para fazendeiros de locais distantes. O que para nós parece óbvio, simples, era uma novidade na época e passou a influenciar os costumes e mudar os métodos de produção. Isso por que com tal facilidade os pecuaristas puderam aumentar enormemente o número de animais criados e, por outro lado, quem produzia a base da ração, tinha a chance de aumentar a produção de forma equivalente, deixando de lado a diversidade. Essas mudanças começaram a trazer problemas para os produtores rurais, como por exemplo a percepção dos agricultores de que seus produtos já não eram mais tão gostosos quanto na sua infância. Por isso um grupo deles, preocupados com a situação, foi procurar Rudolf Steiner atrás de uma alternativa.
Rudolf Josef Lorenz Steiner nasceu em território Austríaco (hoje a região pertence à Croácia). Por seu pai ser funcionário de empresa ferroviária, morou em vários endereços. Estudou matemática e ciências naturais e aos 23 anos, em 1884, se tornou editor das Publicações de Ciências Naturais de Goethe, com material de diversos autores, tais como Schiller. Fez parte da Sociedade Teosófica com quem rompeu mais tarde e fundou então a Antroposofia. Desde o começo de sua carreira se tornara um exímio palestrante e até o fim de sua vida chegou a fazer aproximadamente seis mil palestras. Quando perguntado sobre algum tema específico, Steiner muitas vezes elaborava uma sequência de palestras e transmitia através destas, a base para elaboração contínua dos temas nas mais diversas áreas como pedagogia (Waldorf), arquitetura, medicina, agricultura, arte e outras mais.
Ao ser questionado sobre os novos problemas surgidos na agricultura, Steiner fez em seu último ano de vida, 1924, numa fazenda localizada na cidade de Koberwitz, atualmente em território Polonês, oito palestras que dariam início à agricultura biológico-dinâmica, ou simplesmente biodinâmica. Segundo o Demeter – regulamentador mundial da agricultura biodinâmica existente desde 1928 – em 1931 já existiam mil propriedades produzindo desta forma. Em 1932 já haviam fazendas sendo convertidas para esse sistema na Suiça, Suécia, Holanda, Inglaterra, Áustria e Noruega. Em 1939 chegava oficialmente a Nova Zelandia.
Em 1941 todas as organizações Demeter foram proibidas na Alemanha pelo sistema nazista, mas algumas fazendas, como Marienhoe, próxima a Berlim (www.hofmarienhoehe.de) continuaram seu trabalho disfarçadamente. No país de sua origem é comum encontrar fazendas que trabalham a agricultura biodinâmica há mais de 50 anos com sucesso, como Hof Dannwisch www.dannwisch.de, Hof Wörme n°.2 www.hofwoerme.de, Bauckhof www.bauckhof.de, entre tantos outros.
Em 1974 chegava a vez do Brasil, quando foi criada a primeira fazenda biodinâmica, Estância Demetria, que hoje em dia está incorporada ao Bairro Demetria na cidade de Botucatu, estado de São Paulo, www.bairrodemetria.com.br com escola, pousadas, lojas, consultórios médicos, editoras, e muitas outras iniciativas ligadas ou não a antroposofia.
A biodinâmica veio naturalmente ganhando força por aqui e já se contabilizam inúmeras iniciativas do tipo. Vale lembrar que estamos muito longe dos números da Alemanha, que ainda é a primeira no ranking de produtores, mas com o boom de ecologia e sustentabilidade e bom senso pelo qual o mundo passa, a quantidade no Brasil vem aumentando rapidamente. No país Europeu esse boom já é comemorado há anos. Pelo mundo existem mais de 50 países com produções regulamentadas biodinâmicas.
O QUE É AGRICULTURA BIODINÂMICA:
Outrora, estrelas falavam aos homens,
o seu calar é destino cósmico;
a percepção do seu calar
pode ser sofrimento do homem terrestre.
No calado silêncio, porém, amadurece
o que os homens diziam às estrelas;
a percepção do seu falar
poderá tornar-se força do Homem-Espírito.
Rudolf Steiner (1861-1925)
Há quem diga que a biodinâmica é evoluir a agricutura para aquela praticada no final do século XIX. Isso quer dizer que os produtores rurais deveriam recuperar os sentidos e sentimentos que há muito se perderam, já que nos últimos anos, com a evolução tão rápida da tecnologia, ficamos muito dependentes das máquinas, do material e deixamos de lado o sentimental. É preciso encontrar um ponto de equilíbrio.
A biodinâmica não permite o uso de agrotóxicos, nem fertilizantes químicos e nem tão pouco produtos transgênicos. Utiliza-se constelações e o conhecimento das fases da Lua para saber o que há de ser feito, e em qual momento trabalhar na lavoura. As plantas são influenciadas pelos astros da mesma maneira que as marés sobem e descem de acordo com as fases da Lua. São feitas aplicações dos preparados biodinâmicos que servem para melhorar a qualidade do ambiente e consequentemente dos alimentos ali produzidos. Adubar significa, para quem pratica esta agricultura, tornar o solo vivo. Nesse sentido são previstas ainda práticas de conservação de solo e da natureza de modo geral. Também é exigida uma qualidade social dos trabalhos. Além disso, o que para mim é um dos pontos mais significativos, enxerga a fazenda como uma individualidade, um organismo vivo, integrado. Neste ponto pode-se pensar em diversas pequenas propriedades que interagem entre si.
Um simples exemplo: uma propriedade, ou conjunto destas, tem o pasto que alimenta os cavalos, as vacas, as cabras, estes ajudam no trabalho da terra, viram produto final e geram esterco usado na adubação das pastagens, do pomar, da horta que de novo pode retornar como alimento para as galinhas, os porcos e assim sucessivamente. Desta meneira só se pode criar uma quantidade de animais de acordo com o volume de alimento que se é capaz de produzir para estes, o que já evita aquelas criações em massa e equivale a dizer que os animais tiveram uma vida saudável, digna. Até mesmo as sementes são produzidas e selecionadas pelo próprio agricultor dentro de sua propriedade, promovendo assim, de forma natural, um melhoramento genético de suas espécies. Dentro deste contexto o produtor rural passa a se empenhar e fazer um trabalho de pesquisador. É comum esta forma de trabalho tão diferente atrair as pessoas da cidade que acabam se tornando frequentadores das propriedades por se sentirem bem naquele ambiente, além de grupos de estudantes que se interessam por essa enorme fonte de informações.
Não é a toa que cada vez mais produtos advindos da agricultura biodinâmica são classificados como os melhores em suas categorias, com sabores extraordinários e qualidade premium, como é o caso do pinot noir mais famoso do mundo, o Romanee Conti. Esses sabores e produtos são a simples definição de valor agregado, de verticalização inteligente da agricultura a mesa. Esses produtos são os preferidos pelas pessoas de paladar aguçado, profissionais de alimentação e principalmente cozinheiros pelo mundo. A melhor maneira de se entender o valor de um produto dessa natureza é experimentar e comparar.
Bom apetite!
Gustavo Mussato Goncalves é diretor de pesquisas agrícolas do estilo gourmand, técnico agrícola formado pela ETE Benedito Storani de Jundiaí SP e bacharel em propaganda e marketing pela Universidade Paulista – UNIP. Gustavo é pós-graduado em Agricultura Biodinâmica pelo Instituto ELO / Universidade de Uberaba – UNIUBE e passou os ultimos dois anos especializando-se em Agricultura Biodinâmica em uma associação de fazendeiros biodinâmicos no Noroeste da Alemanha.
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