sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Índios Pataxós restauram floresta degradada na Bahia

dezembro 05, 2013


O dia era 22 de abril de 1500 quando Pedro Álvares Cabral e suas caravelas desembarcaram no que seria mais tarde o Brasil. De longe, os navegadores portugueses avistaram uma porção de terra encravada numa densa mata verde: era o Monte Pascoal, com seus mais de 500 metros de altura. Hoje, ele está dentro de um Parque Nacional que leva seu nome, no sul da Bahia, cuja área verde é uma fração da original, em decorrência de intensa degradação.

Considerada uma área prioritária para a conservação (hotspot) dentro da Mata Atlântica, esta Unidade de Conservação é rodeada de terras improdutivas, mas prospera graças à restauração florestal realizada por indígenas, apoiados por organizações ambientais.

“Entre os que ocupam a terra, os indígenas são os maiores cuidadores de florestas que nós temos”, afirmou a ((o))eco Paulo Dimas Menezes, integrante do grupo ambiental Natureza Bela, associação fundada em 2001 com sede no município baiano de Itabela, a cerca de 50 km de Porto Seguro, no sul do estado.

A região foi ocupada inicialmente pelos tupinambás e, a partir do século XVI, pelos pataxós. O Parque Nacional Monte Pascoal, criado em 1961, está em boa parte rodeado por aldeias pataxós que ficam nas Terras Indígenas Barra Velha e Águas Belas.
Alguns índios tem no reflorestamento uma fonte de renda.

Pioneiros na restauração

Na década de 80, ao perceberem que a caça e a pesca escasseava, sob a liderança do pajé Manoel Santana, hoje com 90 anos, os Pataxós decidiram se dedicar à atividade de restaurar a paisagem florestal.

Antes mesmo de saber exatamente o que isso significava, os pataxós estiveram entre os pioneiros na iniciativa de restauração de áreas degradadas no país, pois perceberam a crescente escassez de recursos dos quais dependiam.

“Essa região é importante para nós. A gente briga contra o desmatamento e contra quem caça. Estamos reflorestando. Desde os anos 80, meu pai já vem trabalhando e, antes, era sem apoio nenhum”, disse Alfredo Santana Pataxó, 46 anos de idade, e há 26 cacique da aldeia Boca da Mata, onde vivem 175 famílias.

Alfredo é filho de Manoel Santana e desde pequeno viu o exemplo de seu pai na iniciativa que cresceu e conquistou mais adeptos pataxós. Hoje, ele preside o conselho de caciques da região de Barra Velha.

O líder conversou com ((o))eco quando esteve pela primeira vez no Rio de Janeiro. Ele e um colega pataxó acompanharam Paulo Menezes no encontro promovido pelo BNDES que reuniu projetos apoiados pela iniciativa Mata Atlântica e pela Linha Florestal Mata Atlântica, nos últimos dias 21 e 22 de novembro.

Antes acusados de retirar madeira da floresta para fazer artesanato, os indígenas vivem um processo de transição em que abandonam a extração de madeira nativa e passam a ser os restauradores oficiais de floresta.

“Enquanto os proprietários rurais em volta desmataram tudo e, em 45 anos, retiraram 90% da floresta, os índios são os povos da floresta. Hoje só há fragmento florestal onde tem aldeia indígena perto”, disse Menezes.

A TI dos Pataxós tem como vizinhos uma grande empresa de celulose, fazendeiros de gado, proprietários de extensas áreas de cultivo de mamão e cafeicultores.

“A gente planta árvores nativas da floresta para conservar. A gente vive no entorno do restinho de floresta que existe, lutando para sobreviver e cuidando. Se não fossemos nós, o resto de floresta já teria ido embora. A gente está brigando com unhas e dentes para não deixar acabar”, lamenta Alvair Silva Pataxó, 38 anos, e cacique da aldeia Cassiana, onde vivem 50 famílias, vizinha à Boca da Mata na TI Barra Velha. “Devido à devastação da floresta, a tendência é acabar a caça, os peixes e as águas. Já não tem mais aquela convivência com a natureza como há 30 anos”, relembra Alvair.

Parceria para o corredor 

Até bem pouco tempo, os pataxós acharam que eram os únicos preocupados com o bioma. Há cerca de três anos eles se juntaram à Natureza Bela para um ambicioso projeto de corredor florestal.

A meta é restaurar 800 hectares nos 40 km que dividem os Parques Nacionais Monte Pascoal e o Pau-Brasil, o último criado em 1999, e que concentra um dos maiores reservatórios desta árvore. Os dois parques são patrimônio nacional, tombados pela UNESCO como Sítio do Patrimônio Mundial e fazem parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. A região é tida ainda como Patrimônio Mundial Natural do Descobrimento.

Um corredor florestal não é apenas floresta, envolve um conceito de mosaico do uso do solo, afirmou Paulo Menezes. “A restauração entre os dois parques permite que espécies que vivem isoladas em um parque possam cruzar para o outro, o que aumenta a chance de preservação dessas espécies. Os parques estão na área de maior concentração de espécies endêmicas ameaçadas da Mata Atlântica. É um hotspot mundial”.

A meta do grupo ambiental é concluir o corredor florestal em dois anos. Muitas das áreas estão improdutivas e abandonadas, explica Menezes. Cada processo de restauração tem características locais diferenciadas. “Lá tem alta regeneração. Apesar de estar degradada por incêndios, a área tem alta resiliência”, disse.

Os custos da regeneração não são baixos, entres eles o custo intensivo de mão de obra. Estima-se que sejam necessários cerca de R$ 20 milhões para todo o corredor. O BNDES financiou R$ 3,1 milhões para a restauração de 220 hectares.

“Com exceção dos povos indígenas, parece que a sociedade brasileira ainda não colocou as florestas como prioridade. Eles são os únicos que falam de florestas e nós, os ambientalistas, somos minoria”, disse Menezes. Na sua opinião, falta uma política de Estado e uma estratégia nacional com diretrizes claras para a restauração. “Mas na ausência dela, vamos fazer de qualquer jeito. Se o Estado não fizer, nós vamos fazer”.
Viveiro florestal com capacidade atual de 200 mil mudas/ano.

Fonte de renda

Antes, o trabalho era voluntário, hoje já existem 55 famílias pataxós que vivem da restauração florestal e retiram dela seu sustento. Este projeto do corredor florestal facilitou a criação da cooperativa indígena COOPLANJE, que participa ativamente no plantio.

No último plano de gestão territorial, elaborado em 2012, os pataxós estabeleceram metas e tarefas, entre as quais reflorestar as áreas degradadas, criar mudas nativas através de viveiros, formar mais agentes e fiscais indígenas. Outros objetivos incluem preservar as nascentes, recuperá-las com mudas nativas, ajudar o trabalho da Funai e do ICMBio na fiscalização contra o desmatamento e promover a educação ambiental.

Os indígenas querem dar atenção especial aos mangues e estabelecer uma vigilância que iniba que visitantes joguem lixo nessas áreas. Também querem proibir a retirada de fêmeas de caranguejo e guaiamum na época da desova.

Para a produção de artesanato, os pataxós se comprometeram a não extrair madeira nativa e usar outras matérias-primas como fibra de piaçava, de coco, sementes e madeira morta.

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