sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Comunidades Quilombolas e biodiversidade no maranhão, por Mayron Régis

Açaí ou Juçara é o fruto bacáceo de cor roxa, que dá em cacho na palmeira conhecida como açaizeiro, cujo nome científico é Euterpe oleacea. Foto: http://frutacai.com.br/

[Territórios Livres do Baixo Parnaíba] As comunidades quilombolas de São Miguel, Rosário, Cariondo, Itapecuru, e Bom Jesus, Matinha, situam-se em regiões geográficas distintas do estado do Maranhão, mas apresentam dificuldades semelhantes, principalmente, com relação a regularização fundiária e acesso aos recursos da biodiversidade. A biodiversidade passou a ser aclamada, reivindicada e declamada como se fosse uma deusa da providência. As pessoas desconhecem que em muitos casos a biodiversidade se encontra debaixo de fogo cerrado da especulação imobiliária, do agronegócio e de grandes obras de infraestrutura. Nesse fogo cerrado, a biodiversidade se afasta das vistas das pessoas que a usam, que a promovem e que dela tiram seu sustento.

A biodiversidade, então, ou vira uma relíquia, para ser apreciada, ou vira um objeto, para ser estudado, ou vira uma lembrança, para ser esquecida. Com relação a comunidade de São Miguel, a biodiversidade se tornou uma lembrança não de bons tempos do passado e sim a lembrança que um dia ela esteve ao alcance das mãos e que pela própria mãos das pessoas da comunidade, perde-se vários aspectos da biodiversidade no seu território. Alguns moradores de São Miguel derrubam o bacuri verde. Outros moradores cortam o bacurizeiro para vendê-lo as serrarias. Roçar e queimar os brejos em São Miguel ainda é uma prática comum o que afeta a preservação dos recursos hídricos e a produção de juçara e de buriti.

Antes de culpar os agricultores familiares em São Miguel, deve-se entender como a falta de assistência técnica e de capacitação em temáticas socioambientais interage com a urgência desses agricultores em obter rendimentos para sua sobrevivência. O seu Manoel comenta o dia em que pediu a visita de técnicos do município de Rosário para que eles opinassem a respeito de uma praga que atacava o seu plantio de melancia. Os técnicos não se deslocaram e ele se virou com a borrifação de agrotóxico que resultou em perda e prejuízo para ele e para a comunidade.

Quanto mais a comunidade se afasta da biodiversidade, mais ela se afasta do interior do seu território e do seu histórico. As mulheres de Cariondo cultivam, em seus quintais, ervas medicinais e verduras. Quando se pergunta sobre o babaçu, elas respondem que não quebram mais porque cansa muito e que o babaçual próximo a comunidade não se torna adulto em razão da retirada de palha para que algumas pessoas a vendam.

Ao ouvir as mulheres de Cariondo sobre o babaçual, a pessoa fica com aquela impressão que não existe mais biodiversidade na comunidade. Se a biodiversidade abandonou Cariondo como as mulheres expuseram qual é o diferencial da comunidade? As pessoas se conformaram com os condicionamentos impostos pelas fazendas ao redor, que tomaram seu território, e conformaram-se com a modernidade que oferece vários produtos para o consumo. O óleo de soja pode ser ruim, mas vem embalado, pronto para ser despejado na frigideira. Para obter o azeite de babaçu tem que quebrar o coco. Na cabeça das mulheres reside a lembrança que o coco não tinha valor monetário. E pelo visto ainda não tem.

E qual é a importância de quebrar coco? As experiências do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco babaçu por todo o Maranhão quebraram muitos preconceitos ao desenvolverem projetos que utilizam o babaçu para fins de indústria de cosméticos e para fins de segurança alimentar. Quanto a existência ou não de biodiversidade em Cariondo, as mulheres se recordaram de babaçuais que estão dentro do território e que por não terem uso acabaram sendo esquecidas.

O acesso aos recursos da biodiversidade em Matinha sofreu um revés com o veto do prefeito Beto Pixuta ao projeto Babaçu Livre apresentado pelas comunidades quilombolas e aprovado pela câmara de vereadores. Dona Rosário, dirigente do MIQCB e liderança da comunidade Bom Jesus, cobrou explicações ao prefeito que justificou o seu veto dizendo que não queria criar inimizade nem com os fazendeiros e nem com as quebradeiras. A alegação oficial do prefeito foi que não houve audiência publica.

A resposta de Dona Rosário foi “então marque Beto a audiência se for o caso”. A área de Bom Jesus, comunidade de Dona Rosário, estende-se por mais de quinze mil hectares, contudo as famílias são impedidas por cercas de catar o coco babaçu, o buriti e o bacuri na floresta e de pescar nos campos.

O mais recente conflito se verificou com um proprietário que cercou uma área de babaçual em frente a comunidade, queimou dentro e botou gado. Só não cercou a igreja porque a comunidade impediu.

* Mayron Régis, Colaborador do EcoDebate, é Jornalista e Assessor do Fórum Carajás e atua no Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Fórum Carajás, SMDH, CCN e FDBPM).

** Crônica enviada pelo Autor e originalmente publicada no blogue Territórios Livres do Baixo Parnaíba.
EcoDebate, 20/12/2013

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