[EcoDebate] Desde a Idade da Pedra (paleolítico) nossos ancestrais aprenderam a controlar a energia do fogo. Todavia, foi em 1768, quando James Watt inventou a máquina a vapor, que teve início o predomínio da produção industrial e o uso generalizado dos combustíveis fósseis (primeiro o carvão mineral e depois o petróleo e o gás).
A Revolução Industrial e Energética, que teve início no final do século XVIII, possibilitou o maior crescimento da história da população (passou de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 7 bilhões em 2011) e da economia. Entre o ano 1 da Era Cristã e o ano de 1800 a economia mundial cresceu 5,8 vezes, porém o crescimento entre 1800 e 2011 foi de 90 vezes, segundo dados de Angus Maddison. O crescimento da renda per capita foi de apenas 1,3 vez, ou 30%, em 1800 anos. Mas deu um salto de 13 vezes em 211 anos.
Ou seja, aproximadamente em dois séculos o poder de compra médio dos habitantes da Terra foi dez vezes maior do que nos dois milênios anteriores. O PIB mundial cresceu 15 vezes mais na comparação dos dois períodos. De 1800 a 2011 a esperança de vida ao nascer passou de cerca de 30 anos para 70 anos e as crianças foram deixando para trás as terríveis taxas de mortalidade infantil.
Porém, todas as conquistas do progresso humano podem ir por água abaixo devido ao encarecimento dos combustíveis fósseis – que deve atingir o seu pico de produção e/ou demanda brevemente – e às mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global provocado pela emissão do CO2 liberado pela queima exatamente da energia que impulsionou o avanço das condições materiais de vida da população mundial.
Mas pode haver alternativas, pois na evolução da economia houve avanços que foram realizados por escassez e pressão das condições ambientais e outros em razão dos conhecimentos científicos e tecnológicos. Nesta segunda perspectiva, é preciso lembrar que a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras.
Da mesma forma, a idade dos combustíveis fósseis pode acabar antes do “Pico de Hubbert”. O fim do “mundo do petróleo” não precisa ocorrer de maneira trágica, pois pode se dar de maneira positiva por meio do avanço das energias renováveis (especialmente aquelas baseadas na utilização do sol e dos ventos) e pela transição administrada para uma economia de baixo carbono. Atualmente, a maior fonte de energia renovável vem das hidrelétricas. Porém, mesmo liberando baixa quantidade de CO2 as hidrelétricas, com seus enormes lagos, possuem outros impactos ambientais e são fonte de “prisão” das águas e de redução da mobilidade dos peixes. O sol e o vento são fontes com menores impactos negativos.
Tomemos o caso da energia solar. O Sol irradia durante o ano o equivalente a 10 mil vezes a energia consumida anualmente pela economia mundial. Assim, basta utilizar uma fração da energia solar disponível. O nosso astro maior pode ser a grande fonte de energia renovável do planeta, tornando-se uma fonte energética que seja abundante, permanente, limpa e ecológica.
Existem diversas pesquisas e alternativas sobre o uso da energia solar sendo desenvolvidas. Uma delas, a tecnologia termossolar, chamada Energia Solar Concentrada (Solar CSP – Concentrated Solar Power – na sigla em inglês), em vez de produzir eletricidade diretamente, como nas células solares fotovoltaicas, utiliza espelhos para concentrar a luz do sol sobre encanamentos para produzir vapor em seu interior, que por sua vez movimenta turbinas que produzem eletricidade. Para manter a usina em funcionamento durante a noite ou em dias nublados, utiliza-se o calor excedente produzido durante o dia por meio do armazenado de um líquido especial em tanques apropriados.
Mas a produção que mais tem crescido é a da energia fotovoltaica (Solar PV). O cientista Ray Kurzweil é um entusiasma do potencial da energia solar. Ele argumenta que o crescimento da energia solar tem se dado de forma exponencial, partindo de quase zero em 2000 para 16 gigawatts (GW) em 2008 e cerca de 100 GW em 2012. Extrapolando estas tendências, Kurzweil considera que é possível manter a tendência de dobrar a capacidade produtiva fotovoltaica a cada dois anos, o que significa multiplicar por mil vezes, em 20 anos. Em palestra na Universidade de Berkeley, Ray Kurzweil (que trabalha atualmente na Google) disse: “Nesse ritmo vamos atender 100% das nossas necessidades de energia em 20 anos”.
Contudo, este otimismo de Kurzweil não é compartilhado por outros especialistas. Os dados da Agencia Internacional de Energia (IEA – International Energy Agency) mostram que realmente a produção de energia fotovoltaica mundial cresceu de forma exponencial até 2013. Porém, as projeções mostram que o ritmo vai se desacelerar nos próximos anos e deve chegar a 308 GW em 2018, o que é um grande crescimento, mas não deve manter o ritmo de dobrar a cada dois anos. Em termos absolutos a produção continua aumentando, mas em termos relativos o ritmo se reduz.
Dados da Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos (EIA – U.S. Energy Information Administration) em seu International Energy Outlook 2013 projeta que o consumo mundial do conjunto das energias renováveis, em 2040, será de 15% da matriz energética, que, infelizmente, continuará sendo dominada pelos combustíveis fósseis.
Portanto, o otimismo de Kurzweil não é compartilhado pelas agências de energia. Segundo a IEA, a capacidade de energia renovável mundial deverá passar de 1.465 GW (sendo 1.071 de hidreletricidade), em 2011, para 2.351 GW (sendo 1.330 de hidreletricidade) em 2018. Considerando apenas as energias eólica, solar, geotérmica e ondas a produção deve passar de 319 GW em 2011 para 896 GW em 2018.
Tem sido grande o crescimento das fontes renováveis, mas insuficiente para mudar significativamente a matriz energética e para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Outra questão é que a maior parte da produção de painéis fotovoltaicos e de turbinas eólicas tem se concentrado na China o que provoca uma dependência dos demais países do mundo ao lobby chinês. Um relatório da Bloomberg mostra que a China está planejando dobrar sua capacidade de produção de energia solar para 10 gigawatts este ano e multiplicar por 5 até 2015. No resto do mundo, até 2014, o preço da energia solar pode se tornar sustentável, isto é, ser competitivo sem subsídios.
Não resta dúvidas de que a economia internacional precisa reduzir significativamente sua dependência dos combustíveis fósseis e aumentar o peso das energias renováveis no conjunto da produção energética. Para tanto é preciso que as diversas nações criem políticas públicas para incentivar a utilização das energias renováveis e que haja incentivo para que o mercado, as famílias e as comunidades invistam na mudança da matriz energética. Também é preciso construir redes de transmissão inteligentes para controlar a sazonalidade da produção de energia eólica e solar, aumentar a eficiência energética e adaptar a produção à demanda.
Com otimismo ou sem otimismo, o futuro da humanidade depende da superação da dependência dos combustíveis fósseis e da redução da pegada ecológica (fortemente influenciada pela emissão de CO2). Para mitigar a atual crise ambiental e o aquecimento global o caminho não é voltar para a Idade da Pedra, mas sim promover um novo salto científico e tecnológico. Mas para não cair no “Paradoxo de Jevons”, o mundo precisa mudar o padrão de consumo, caminhar para o “estado estacionário” e adotar um estilo de vida que coloque o ser humano em harmonia com a natureza.
Referências:
Ray Kurzweil: Solar Will Power the World in 16 Years. by Max Miller. March 17, 2011
Could Kurzweil be right about solar the Google of energy? By Felicity Carus. 23 April 2013
Justin Doom. Solar Shipments Surge in Second Quarter as Demand Rises in Asia. Aug 8, 2013
A possível economia pós-petróleo. 06/08/2013
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 16/12/2013
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