quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Pesquisadores propõem uso integral do ginseng brasileiro

Extrato da Pfaffia glomerata, o ginseng brasileiro. Grupo também busca viabilizar a utilização da planta para a obtenção de biocombustíveis e até bioeletricidade (foto: FEA/Unicamp)

18/12/2013

Por Noêmia Lopes

Agência FAPESP – Pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA/Unicamp), integrantes do grupo de pesquisa coordenado pela professora Maria Angela de Almeida Meireles, desenvolveram um extrato rico em β-ecdisona – composto usado em fármacos fitoterápicos voltados ao tratamento de perda de memória – e em saponinas – substâncias com propriedades surfactantes, ou seja, capazes de influenciar a superfície de contato entre dois líquidos que não se misturam, dando origem a emulsões usadas, por sua vez, na fabricação de cosméticos e alimentos.

O extrato foi obtido a partir de raízes do ginseng brasileiro (Pfaffia glomerata). Tanto o processo de obtenção quanto a aplicação do extrato como agente surfactante deram origem a um depósito de patente (registro BR1020130128961) no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

Atualmente, de acordo com o pesquisador DiegoTresinari dos Santos – que teve bolsa de pós-doutorado da FAPESP e hoje está na Suíça, realizando estágio de pesquisa, também pela FAPESP, para complementação do estudo –, o ginseng brasileiro está na base de apenas um produto comercial, o Ginseng Brasileiro Herbarium 300mg, com cerca de 1% de β-ecdisona em cada cápsula. Durante sua produção, uma grande quantidade da planta vira resíduo ou não é utilizada, uma vez que apenas as raízes são utilizadas e, mesmo nelas, a concentração de β-ecdisona é bastante reduzida.

Os pesquisadores da FEA/Unicamp viram na busca pelo aproveitamento integral das raízes e das partes aéreas da Pfaffia glomerata uma chance de explorar diferentes usos para os resíduos da fabricação do produto comercial, produzir extratos com maior teor de β-ecdisona e avaliar o potencial de partes da planta que, hoje, não têm nenhum valor comercial.

“A produção de um extrato como esse que já desenvolvemos e o uso das partes aéreas deixadas no campo durante a colheita das raízes – sobre o qual ainda nos debruçamos – podem contribuir significativamente para a viabilidade econômica de uma futura biorrefinaria para o aproveitamento da biomassa ginseng”, afirma Santos.

Processo de obtenção

O trabalho para chegar ao extrato começou com o estudo da extração de β-ecdisona e saponinas das raízes do ginseng. Entre os métodos mais comuns para a extração desses compostos está a extração sólido-líquido – no qual substâncias na fase sólida passam para a fase líquida por simples contato durante certo período de tempo – sob pressão ambiente.

O diferencial do estudo da FEA/Unicamp foi colocar as raízes de ginseng secas e moídas em contato com diferentes solventes (água, etanol, isoproponol, acetato de etila e CO2) sob diferentes pressões (até 30 vezes maior do que a pressão ambiente). “Eu estudei processos com fluidos pressurizados e co-orientei a dissertação de mestrado de Renata Vardanega [também da FEA/Unicamp], que investigou processos com solventes em condições de pressão ambiente”, diz Santos.

Enquanto cada solvente passava pela matéria-prima por bombeamento constante, também foram empregadas ondas de ultrassom, outro diferencial da pesquisa. Para tanto, as raízes foram imersas em um banho ultrassônico. “Isso resultou em aumento na transferência de massa e na solubilidade dos compostos [β-ecdisona e saponinas]. Com isso, ganhamos tempo e eficácia”, diz Santos.

Em relação ao tempo, buscando uma mesma quantidade de extrato e usando um mesmo solvente em condições de pressão ambiente, foi possível observar uma redução entre 10% e 15% na duração do procedimento quando as ondas ultrassônicas foram incluídas. Já sobre a eficácia, Santos afirma que “a simples adição de ondas ultrassônicas durante o processo de extração convencional representou um rendimento até 76,2% maior”.

Estão em andamento etapas dedicadas à purificação – para o aumento da concentração do composto ou para a remoção de substâncias indesejáveis – e à encapsulação dos extratos – medida que propicia melhor aplicabilidade em alguns tipos de formulações industriais.

Em seguida, foram estudados diferentes fins para o material remanescente após a obtenção dos extratos. De acordo com Santos, “há casos em que uma quantidade significativa de material vegetal permanece no leito de extração – aproximadamente 40% da quantidade inicial”. “O uso desses resíduos para algum fim comercial, portanto, seria oportuno.” Até o momento, três alternativas apresentaram resultados promissores: utilização como biossorvente de metais pesados, como fonte de açúcares para a produção de bioetanol e como combustível para a produção de bioeletricidade.

Por fim, foi analisada a aplicação do extrato rico em saponinas como surfactante para a produção de nanoemulsões (emulsões em medidas nanométricas).

Análise técnica e econômica

Para analisar a viabilidade das opções tecnológicas que podem resultar no melhor aproveitamento do ginseng brasileiro, os pesquisadores usaram equipamentos do Laboratório de Tecnologia Supercrítica: Extração, Fracionamento e Identificação de Extratos Vegetais (Lasefi), da FEA/Unicamp, de maneira acoplada, visando à redução do tempo de processamento por meio do desenvolvimento de diferentes etapas produtivas de maneira contínua.

Já para realizar análises sobre a viabilidade econômica dos processos em teste, a equipe utilizou um simulador comercial e ainda realiza simulações com dois softwares. “As três ferramentas estão sendo empregadas para predizer custos de produção, por meio de balanços de massa e de energia”, afirma Santos.

Um dos cuidados da equipe foi a utilização de solventes ambientalmente corretos, como água, etanol, isopropanol e CO2, de modo a não gerar resíduos tóxicos na matriz de produção nem no produto final (extrato bruto, purificado ou encapsulado).

“Muitas pesquisas têm sido feitas em busca de maior rendimento e qualidade nos processos de extração, purificação e encapsulação. Nós atuamos em todas as vertentes do que se entende por intensificação de processos: o desenvolvimento de engenharias que resultem em tecnologias menores, mais limpas e com maior eficiência energética”, diz Santos.

Publicações e próximos passos


As conclusões também foram publicadas em dois capítulos de livros: Integration of Pressurized Fluid‐based Technologies for Natural Product Processing, em Natural Product Extraction (Royal Society of Chemistry), e Effects of Ultrasound Assisted Extraction of Water Soluble Constituents on Brazilian Ginseng Roots, em Recent Advances in Ginseng and Glycosides Research (Nova Science Publishers).

Ao longo da investigação, foram parceiros o Lasefi, coordenado pela professora Maria Angela Meireles, a Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (USP), por meio de grupo de pesquisa coordenado pelo professor Sílvio Silveiro da Silva, e a Faculdade de Engenharia Química da Unicamp, com grupo liderado pela professora Marisa Beppu.

“Agora, seguem em andamento estudos sobre produção de energia a partir das partes aéreas do ginseng brasileiro. Para se ter uma ideia, constatamos que a coleta de 49,9% dessa biomassa descartada nos campos seria suficiente para suprir toda a eletricidade e o calor necessários à produção dos extratos, via métodos que desenvolvemos no Lasefi”, explica Santos.

A pesquisadora Renata Vardanega agora tem bolsa de doutorado da FAPESP para tentar a produção de dois extratos em vez de um único, buscando a coprodução de extratos ricos em β-ecdisona e em saponinas a partir das raízes do ginseng brasileiro. Além disso, pretende-se avaliar o potencial de extração, a partir das partes aéreas, de metabólitos secundários – substâncias que geralmente não estão envolvidas em funções vitais das plantas, como a respiração, mas que possuem importante utilidade para o seu desenvolvimento fisiológico e podem ser usadas em formulações farmacêuticas, cosméticas, alimentícias, entre outras.

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